Monday, February 20, 2006

Sinto que poderei ser onda
força em verso e em palavras
sinto que poderei ser tempo
voz tocada em minha alma
e na cruz do pensamento
o teu encanto caravela noite
fazer do dia o silêncio
fazer de ti a cor do vento

Nas asas do teu voo encontro a alma
e o húmus da terra que em mim semeias.
És a arquitectura do tempo numa ogiva perfeita
com sabor a chuva caída do teu ventre.
E sobre ti descanso os meus passos
e bebo o sol à sombra da tua árvore.

Thursday, February 16, 2006

Caminhalma

Na voz quente da terra
acariciei as tuas mãos na minha pele
e beijei a Lua do teu rosto.
A tua flor molhada gotejava
nos meus pés o teu amor
e no silêncio da tua alma
toquei o vento e nele
escrevi os meus sonhos.

Tuesday, February 14, 2006


Pedaços de um "discurso" onde surge José da Fonte Santa
Um dia olhámos para a capa da primeira Revista Cultural da Alma Alentejana. Um desenho a carvão, com traço forte, ilustrava aquela publicação. Sentimos que havia naquele autor algo de muito profundo. Certamente, um sentimento de respiração poética traduzido na plasticidade estética que procurava transmitir. E que conseguia de facto.
Foi esse o primeiro contacto com um pedaço da obra de José da Fonte Santa. A curiosidade de conhecimento fez-nos procurar outros pedaços através dos diferentes meios de pesquisa. E aqui chegámos.
Desenho de José da Fonte Santa


Fui ao tempo e à memória retirar este momento de um Janeiro chuvoso. Ali, naquele espaço, podemos evocar um ser humano ímpar. E percorrer o futuro sempre com o seu exemplo.

Laranjeiro, 18 de Janeiro de 2003

HOMENAGEM A LUÍS SÁ[1]
(Militante, Deputado e destacado Dirigente do PCP)

Estarmos aqui, hoje, presentes nesta homenagem a Luís Sá, destacado militante, deputado e dirigente do PCP, é afirmar de viva voz que a memória colectiva sobre a vida e a obra desta personalidade não pode ser votada ao esquecimento.
Assinalamos e reconhecemos o seu percurso como homem e cidadão, na procura da verdade, na opção por valores, pelo exemplo de coragem e paixão pela vida.
Por tudo quanto sabemos sobre Luís Sá, a dedicação, o empenho, a inquietude, o sonho, e pelo sonho a abertura da realidade, foram palavras que soube cultivar ao ponto de personificar a espiga da esperança num campo de valores como a solidariedade, a igualdade, a fraternidade e a justiça social. Podemos afirmar que eram princípios tão interiorizados e praticados que ainda resistem, mesmo após o seu desaparecimento físico num final de tarde em plena Sede do Partido quando aí se encontrava a trabalhar em prol das populações, dos trabalhadores e do Poder Local Democrático.
Luís Sá, como homem e cidadão a tempo inteiro foi exímio na sua caminhada política, na qual deixou provas através dos diferentes cargos desempenhados ao serviço do povo.
Como político reconhecidamente consagrado, soube regressar à grande casa da inteligência, a universidade, onde exerceu as suas competências de aluno e, posteriormente, de professor, sempre com a mesma dedicação com que se empenhou na política, e como testemunho desta caminhada deixou-nos duas brilhantes teses merecidamente publicadas.
Tudo quanto se diga sobre esta importante figura da história do PCP de forma a enaltecer aquilo que ele representa em termos humanos e políticos não será demais para tão distinta personalidade. Por isso, entendemos justa e merecida esta homenagem e atribuição do seu nome a este espaço de todos nós, para que a memória colectiva de que falávamos no início perpetue.
Daí, a nossa atitude perante Luís Sá, onde quer que ele esteja, ser de admiração, respeito e saudade. Sempre!

[1] Texto lido pelo Sr. Joaquim Avó, Presidente da Direcção da Alma Alentejana, no dia em que a Câmara Municipal de Almada descerrou o memorial a esta personalidade marcante da vida democrática portuguesa
Foto: Câmara Municipal de Almada

Saturday, February 11, 2006

Hoje

Aqui
é a razão de sentir a voz que me diz: Vai!
É onde desenho os pés e as asas.
Aqui, neste lugar,
faço do tempo um traço junto ao mar
e escrevo na terra a palavra amanhecer.

Friday, February 10, 2006

Alma J - cinco anos de existência

Hoje, quando escrevi no quadro da sala de aula "Lisboa, 10 de Fevereiro de 2006", reparei na data mais do que nos outros dias.
O tempo passa. Ainda que não muito depressa, pois o período de tempo a que me refiro representa apenas meia década, porém não deixa de representar um ciclo de boas recordações a quem nele viveu intensamente a realidade da Alma J. Foi no dia 10 de Fevereiro de 2001 que um grupo de jovens se reuniu na sede da Alma Alentejana para lançar a semente de um núcleo jovem no seio da associação mãe.
Da conversa nasceram e partilharam-se ideias, sonhos, desejos. E por essa planície de cultivo caminhámos abraçados à afirmação das nossas convicções.
São cinco anos. Cinco anos de actividades. Cinco anos de dedicação. Cinco anos que marcam a vida com aprendizagem e conhecimento. Cinco anos de amor.
Chegámos até aqui. E daqui partimos de novo com a esperança no horizonte. Certamente, avistaremos outros portos para ancorar e voltar a navegar no despertar da alma.
Um abraço a todos, pois nunca esquecemos os que connosco iniciaram esta caminhada e os que nos deram de beber ao longo do caminho.

Thursday, February 09, 2006

À Manhã


O tempo passa devagar. E com ele as vozes, as falas, as conversas. Até o silêncio. Nascem palavras com pronúncia vindas do palco e as personagens vão ritmando aquele lugar no interior do Alentejo, onde resta ainda para quem lá vive espaço para o sonho.
A narrativa cénica escrita por José Luís Peixoto, autor que correspondeu ao desafio lançado pelo Teatro Meridional – na pessoa do seu Director, Jorge Salavisa – revela-nos uma existência de cinco personagens que vivem a sua idade maior na interioridade das suas aldeias. Que são muitas outras. Aqui afirma-se uma realidade no sul do país. Sem lugar exacto no mapa, pois também podia sê-lo em tantos outros lugares. Inesperadamente, nós somos absorvidos para uma história, simples mas envolvente. Inquietante, plena de paisagens. Onde se cruzam metáforas, humor e esperança.
Os elementos cénicos espelham o caminhar da narrativa, os momentos que são o percorrer pelo lugar interior. A presença da Lua esboça um sentimento da alma dos que fazem dos seus dias um testemunho do isolamento, da vivência na terceira idade longe dos grandes centros urbanos onde vivem os seus filhos. Ali, naquela terra, não chove, as árvores estão despidas, parece que nada acontece. Ou melhor, acontece um regressar ao Amor, à adolescência num entardecer da vida. As cores quentes, também elas da terra, acompanham as memórias das personagens. E deixam, já no final da peça, aparecer o Sol que despertará a consciência de que “temos a vida toda à nossa frente”.[1]
Numa reflexão conjunta, o nosso olhar atravessa e toca aquele cenário de forma indelével e partilhamos aquele espaço, aquele lugar, aquela memória. Surge, simultaneamente, uma confrontação no pensar, um aproximar do real às nossas próprias vidas. Nós somos filhos (e netos) daquela gente que se tem “uns aos outros e mais nada…”.[2] Nós também estivemos ali. A conversar com as personagens. A reviver com elas outras fases da nossa vida. Outros momentos. Outras histórias. O Alentejo estava lá, claro. O de hoje. O de ontem. O de “à manha”. E a força de expressões ou palavras como: abalar, ameigar, arribar, assomar, bocanço, companha, desensofrido, estrafego, garganeiro, mangar, parança, prantar, entre outras mais, também estavam lá, fluentes na riqueza de um vocabulário único.
Depois de ter escrito para o grupo de teatro belga Tg Stan Anathema (peça apresentada recentemente no Theatre de la Bastille, em Paris), José Luís Peixoto revela agora neste seu texto o conhecimento de uma realidade próxima, numa escrita simples mas poderosa, enquadrada no nosso tempo, ao mesmo tempo que deixa de lado um certo pessimismo característico da sua escrita e mostra um lado de alegria, opondo-se à ideia de que a velhice é uma fase da vida sem saída.
[1] Frase dita pelas personagens no final da peça
[2] Frase repetida pelas personagens ao longo da peça
Foto: Jorge Paula

Wednesday, May 25, 2005

Talvez hoje seja dia para deixar a literatura

Sim. Talvez hoje seja dia para deixar a literatura. Ou, pensando melhor, talvez não.
Acabei de chegar a casa e liguei a televisão. Reponho-me de inúmeras filas de trânsito na ponte e nos acessos, horas de música da rfm e das notícias da renascença.
Olho para o espelho. Encontro o rosto de um cidadão comum do outro lado. Cidadão comum de um país mergulhado no tédio. Virei a cara e olhei pela janela. Vi os quintais do meu prédio e deixei que a luz crepuscular os colorisse, misturando-se com a terra e com as raízes dos vegetais que ali crescem. Sinto algum cansaço e puxo os cortinados. Sento-me na cadeira em frente ao computador e arrasto as minhas maõs no teclado. E escrevo, escrevo.
Caros portugueses,
Portugal está a atravessar uma crise financeira de elevada gravidade. A má gestão de sucessivos políticos tem mergulhado este país num estado calamitoso.
Mas entendo que há situações, a par desta que acabei de referir, que não nos podem deixar de preocupar.
O que dizer do nosso défice cultural? Então e o défice da mentalidade? Esqueceram-se de calcular? Ou estes últimos são os maiores, os mais impressionantes, os que causam maior vergonha e embaraço? Isto é lamentável em contexto democrático.
Os culpados estão todos abotoados nas suas fortunas e os portugueses desfavorecidos agitam-se distraidamente com as vitórias daquele que parece ser o único desporto que se pratica em Portugal: o futebol.
Do que estamos à espera para dizer que a decisão e a construção do nosso país, desde o mais longíquo lugar até à maior metrópole é, também, da nossa responsabilidade? A cidadania é feita pela individualidade numa afirmação da força colectiva. Através dos laços provenientes das diversas cinergias sociais poderemos ser mais conscientes, mais conhecedores, mais solidários.
(o texto irá merecer continuação)