Urbano Tavares Rodrigues: entre a utopia e a palavra
A primeira luz do dia vista por Urbano Tavares Rodrigues, fora do interior materno, veio ao seu encontro no dia 6 de Dezembro de 1923. A explicação do seu nascimento em Lisboa encontra justificação no facto de ser comum à época nas famílias abastadas do Sul deslocarem-se à capital portuguesa para que a nascença dos seus descendentes pudesse acontecer dentro dos conhecimentos médicos especializados, cuidados que não podiam usufruir na região onde residiam.
Todavia, é no Alentejo que Urbano Tavares Rodrigues passa a sua infância e a adolescência, sendo o "monte" perto de Moura o tal paraíso e fonte da primeira escrita. É precisamente nesse momento que começa a amar a palavra e escreve para se encontrar consigo e com os outros.
Escritor, investigador e crítico literário, licenciou-se em Letras pela Universidade de Lisboa. Foi professor em diversas universidades estrangeiras, depois de ter sido obrigado a abandonar a docência universitária em Portugal por motivos políticos. O seu regresso aconteceu apenas após a "Revolução dos Cravos", tendo obtido o doutoramento na área de Letras com a tese M. Teixeira-Gomes: o Discurso do Desejo, quando decorria o ano de 1984.
A ficção de Urbano Tavares Rodrigues, denotando influências do existencialismo francês da década de 50, tem como características temáticas principais uma consciencialização do indivíduo em vários níveis, desde o nível do corpo e da morte, até à identidade social e política.
Numa introspecção da sua obra, Urbano regressa à infância para explicar as origens do seu nascimento para a escrita: "Por uma lado, recebi a oralidade e a magia das conversas dos camponeses, por outro lado, tive uma relação muito próxima com a natureza, com o rio onde aprendi a nadar, com os cavalos (...) tudo, a lua, as estrelas, as árvores, os animais eram-me muito familiares. (...) ao longo dos livros (...) quando volto ao Alentejo, creio que é quando eu encontro uma certa qualidade lírica e mágica da linguagem".
Urbano diz que começou a escrever "por inquietação, inquietação que tinha tanto a ver com a literatura como com a metafísica e com o social", assumindo, desde logo, uma imensa paixão pela liberdade, numa constante busca de reprodução do mundo, ao encontro do conhecimento do homem em "situação".
Durante o seu percurso literário Urbano quebrou tabus com os livros. A este respeito diz Manuel Alegre: "O amor e o erotismo, a par do Alentejo, do ideal revolucionário, da resistência e do comprometimento social e político, são um legado fundamental para compreender Portugal antes e depois do 25 de Abril". E mais adiante conclui: "A generosidade e a dedicação à escrita e ao ensino são uma dívida de todos nós".
A propósito de uma homenagem ao escritor promovida pela Câmara Municipal de Évora, Eduardo Lourenço afirma que "o que me impressionou e seduziu foi o teu entusiasmo de jovem mosqueteiro, audaz, desenvolto."
No entender de Manuel de Gusmão, na obra de Urbano Tavares Rodrigues, podemos encontrar "uma espécie de dois limites, polaridades ou atitudes extremas. Uma é a capacidade de afirmação, a certeza ético-política de um compromisso que vibra, por exemplo circunstancial, em Desta Água Beberei (1979). Outra é a abertura à incerteza actual, que é pessoal, mas também alegoricamente colectiva, como em A Hora da Incerteza (1995)".
Ao longo dos seus cinquenta anos de vida literária, a sua obra tem estado exposta à crítica que analisa o seu percurso, como podemos constatar nas palavras de Augusto Abelaira (1958), como a de "um artista que sem se trair decidiu que a sua obra seguisse por novos caminhos e que deu a muitos escritores uma lição de como é possível conciliar arte e amor pelos homens".
Já David Mourão-Ferreira (1966) sublinha: "(...) ninguém melhor que ele tem sabido, com exemplar continuidade, conservar-se vigilante à pressão interior de um riquíssimo universo romanesco e exprimi-lo, paralelamente, com tão inquieta variedade de perspectivas, com tão fecunda mobilidade de processos, com tão radical autenticidade na constante renovação de motivos e de técnicas".
Na opinião de Sottomayor Cardia (1973), "é talvez por se alimentar de uma bataria revolucionária própria, e por isso subjectiva, emocional, que um escritor como Urbano Tavares Rodrigues, que legitimamente adoptou como seu o termo ‘escreviver’, pode nesta terra de singularidades dar o exemplo vivo do que é a coragem e a determinação na luta (...) e a permanente generosidade de todas as horas".
Para Álvaro Salema (1982), "Urbano Tavares Rodrigues é uma das inteligências mais energicamente e ricamente criativas das últimas gerações literárias portuguesas".
Em Urbano, apercebemo-nos, pela sua escrita ou mesmo em conversas, que há um olhar fraterno em relação às pessoas e ao mundo, e que o Alentejo é parte expressiva desse mesmo olhar. Parece que o tempo corre mais devagar, sem as pressas citadinas quotidianas, numa paisagem descrita com nostalgia, onde a infância e a adolescência estão presentes, em perfeita demonstração pela paixão que se encontra ao sul do Tejo, especialmente na margem esquerda do Guadiana, assumindo deste modo a expressão máxima do desejo.
Talvez Urbano Tavares Rodrigues seja, como diz Manuel Alegre, "um alentejano na cidade e um citadino no Alentejo" , mas sem dúvida alguma a sua escrita está indissociável daquela região. As suas raízes levam-no a percorrer a história, a cultura, a gente do povo e o seu património natural, revendo-se os mesmos na sua obra, atingindo por essa via uma dimensão universalista.
Sendo um dos mais prestigiados escritores da segunda metade do século XX em Portugal, a obra de Urbano Tavares Rodrigues atinge, entre conto, romance, crónica e ensaio, uma dimensão vastíssima, aos quais foram atribuídos diversos prémios literários, tendo granjeado com naturalidade a tradução em várias línguas.
A expressão máxima desse reconhecimento foi a distinção obtida através do Prémio "Vida Literária" atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores, distinguindo Urbano Tavares Rodrigues "por uma vida inteiramente doada à literatura, com particular relevo nos domínios da ficção e do ensaísmo, relevando, a este propósito, a extrema lucidez e generosidade com que, em mais de meio século, sempre leu os autores de sucessivas gerações".
Segundo Fernando Dacosta, "na literatura, nos sentimentos, na ideologia, na intervenção, na vida, Urbano Tavares Rodrigues não se preocupou nunca, na verdade, com questões de medida ou prudência, de haveres ou cálculos. Tornou-se, pelo contrário, no contrário disso – em todos os campos que foi percorrendo, oferecendo". E prossegue: "A vida e a obra de Urbano Tavares Rodrigues constituem uma das referências mais intensas do século XX (transitada para o XXI) devido à sua postura marcada por uma generosidade e uma solidariedade raríssimas entre nós".
Talvez seja essa posição tomada por Urbano que o leve a reconhecer que "estive sempre ao lado dos que levam pancada. E estarei até ao fim da vida, do lado dos fracos contra os fortes".
Em relação a este modo de estar de Urbano Tavares Rodrigues escreve Fernando Dacosta: "Na vanguarda da oposição à ditadura, à censura, à clausura, à usura do salazarismo, serviu-se, como ninguém, da escrita, da palavra, da coragem para defender as suas utopias, possuindo um domínio criativo e imaginativo sem paralelo. Ele não escreve (é dos raros a fazê-lo) com imagens mas com palavras, recuperando-lhes, restituindo-lhes a ressonante grandiosidade que elas têm na nossa cultura. É dos poucos que sabe que a escrita representa a última trincheira da liberdade porque não é, como a imagem, manipulada pelos poderes instituídos – daí a subalternidade a que foi votada".
Urbano Tavares Rodrigues acreditou profundamente no grande sonho da fraternidade que levara (e talvez um dia leve) à construção do socialismo como que num sentido de existência.
Nos seus bolsos andaram (e andam) sempre "sementes de liberdade" e pelos campos das palavras soube semeá-las num mundo que necessita de vozes inquietantes que nos despertem.
Estamos, pois, perante um homem possuidor de uma arte extraordinária de contar histórias, onde se afirmam por excelência as dimensões social e política, contextualizadas por uma filosofia humanista presente na obra e no seu modo de estar perante a vida feita de convicções, camaradagem, afectividade e bondade.
Sendo um dos escritores responsáveis pela evolução da ficção portuguesa, Mário Cláudio define Urbano Tavares Rodrigues como uma "dominante bandeira do que se chama grandeza".
Urbano Tavares Rodrigues escreveu recentemente: "devo estar perto do litoral em que de vez o sol se apaga e por isso recebo serenamente o que cada nova manhã me possa oferecer de beleza, de imprevisto e de ternura. Porque, apesar da iminência de uma guerra estúpida e atroz e dos grotescos Bushes que na terra vão surgindo, flagelos da Humanidade, a vida é maravilhosa".
E mais maravilhosa é quando temos entre nós uma personalidade com o talento, o carácter e a consciência de Urbano Tavares Rodrigues.
Biblio e Webgrafia:
Santos, José da Cruz (Coord., 2003). Urbano Tavares Rodrigues - 50 Anos de Vida Literária. Porto, Edições Asa.
http://www.instituto-camoes.pt/arquivos/literatura/voomeioseculo.htm
http://www.instituto-camoes.pt/arquivos/literatura/2prem_ape2002.htm
http://www.instituto-camoes.pt/arquivos/literatura/urbanopremape1.htm
Foto: www.iplb.pt
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