O tempo passa devagar. E com ele as vozes, as falas, as conversas. Até o silêncio. Nascem palavras com pronúncia vindas do palco e as personagens vão ritmando aquele lugar no interior do Alentejo, onde resta ainda para quem lá vive espaço para o sonho.
A narrativa cénica escrita por José Luís Peixoto, autor que correspondeu ao desafio lançado pelo Teatro Meridional – na pessoa do seu Director, Jorge Salavisa – revela-nos uma existência de cinco personagens que vivem a sua idade maior na interioridade das suas aldeias. Que são muitas outras. Aqui afirma-se uma realidade no sul do país. Sem lugar exacto no mapa, pois também podia sê-lo em tantos outros lugares. Inesperadamente, nós somos absorvidos para uma história, simples mas envolvente. Inquietante, plena de paisagens. Onde se cruzam metáforas, humor e esperança.
Os elementos cénicos espelham o caminhar da narrativa, os momentos que são o percorrer pelo lugar interior. A presença da Lua esboça um sentimento da alma dos que fazem dos seus dias um testemunho do isolamento, da vivência na terceira idade longe dos grandes centros urbanos onde vivem os seus filhos. Ali, naquela terra, não chove, as árvores estão despidas, parece que nada acontece. Ou melhor, acontece um regressar ao Amor, à adolescência num entardecer da vida. As cores quentes, também elas da terra, acompanham as memórias das personagens. E deixam, já no final da peça, aparecer o Sol que despertará a consciência de que “temos a vida toda à nossa frente”.
[1]Numa reflexão conjunta, o nosso olhar atravessa e toca aquele cenário de forma indelével e partilhamos aquele espaço, aquele lugar, aquela memória. Surge, simultaneamente, uma confrontação no pensar, um aproximar do real às nossas próprias vidas. Nós somos filhos (e netos) daquela gente que se tem “uns aos outros e mais nada…”.
[2] Nós também estivemos ali. A conversar com as personagens. A reviver com elas outras fases da nossa vida. Outros momentos. Outras histórias. O Alentejo estava lá, claro. O de hoje. O de ontem. O de “à manha”. E a força de expressões ou palavras como: abalar, ameigar, arribar, assomar, bocanço, companha, desensofrido, estrafego, garganeiro, mangar, parança, prantar, entre outras mais, também estavam lá, fluentes na riqueza de um vocabulário único.
Depois de ter escrito para o grupo de teatro belga Tg Stan Anathema (peça apresentada recentemente no Theatre de la Bastille, em Paris), José Luís Peixoto revela agora neste seu texto o conhecimento de uma realidade próxima, numa escrita simples mas poderosa, enquadrada no nosso tempo, ao mesmo tempo que deixa de lado um certo pessimismo característico da sua escrita e mostra um lado de alegria, opondo-se à ideia de que a velhice é uma fase da vida sem saída.
[1] Frase dita pelas personagens no final da peça
[2] Frase repetida pelas personagens ao longo da peça
Foto: Jorge Paula