Monday, August 02, 2004

As experiências de Quintas Pedagógicas e a Educação pela Arte: um projecto para o futuro

As quintas pedagógicas são actualmente uma importante valência promotora do conhecimento do mundo rural e espaço de desenvolvimento das relações intergeracionais.
Com o seu surgimento são recuperadas as vivências agrícolas, os seus ciclos e as tradições, ao mesmo tempo que permite o apoio à formação de diversos públicos com o objectivo de transmitir a imagem do mundo rural como factor de compreensão das relações entre o humano e o natural.
Este artigo procura apresentar o resultado de alguns estudos recentes sobre o contributo das quintas pedagógicas nos domínios pessoal, social e cultural, bem como a multidisciplinaridade que estes espaços socioeducativos promovem numa perspectiva da educação pela arte, assente nas diversas plataformas de intervenção criativa.
Ao verificar-se que as crianças residentes nos meios urbanos evidenciavam desconhecimento em relação ao mundo rural, nomeadamente à actividade agrícola nele desenvolvida, começaram a surgir nas cidades e em zonas predominantemente rurais algumas quintas pedagógicas. A sua implementação veio permitir o apoio à formação das crianças, tendo como objectivo a transmissão da imagem do mundo rural no meio urbano, como factor de compreensão das relações entre o humano e o natural, complementando desta forma a escola tradicional.
Como podemos verificar, presentemente, há um crescente movimento com a preocupação pedagógica de solucionar este problema actual, consciente da necessidade de intervenção num domínio tão particular como o da implementação do mundo rural no seio das cidades, de forma a possibilitar às crianças citadinas o contacto e conhecimento das suas realidades.
Num estudo promovido pelo Conselho Europeu de Jovens Agricultores (CEJA) em 1999, podemos verificar que o desconhecimento em relação ao mundo rural é maior nos centros urbanos, onde as crianças visitam mais frequentemente centros comerciais, supermercados e parques infantis. Precisamente, o mesmo estudo revela que esta necessidade de conhecer o mundo rural é generalizado nas crianças dos Estados-membros em idade escolar básica.
Mas as quintas pedagógicas, não são espaços exclusivos das crianças, pois vão ao encontro de pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais, numa multiplicidade de motivações e interesses cujo elo de ligação é o fascínio, desencadeando a nostalgia que a ruralidade e o ambiente rural cria na alma do citadino, possibilitando o reviver ou o contacto com o mundo rural.
Segundo Suchodolski (1978) na educação deve-se atribuir importância a tudo o que faz promover o interesse e as necessidades no que respeita a matéria de conhecimentos e inquietações como vontade de perceber a verdade, ou seja desenvolver um processo de individualidade humana que torne a zona intelectual viva e dinâmica.
Transpondo esta fundamentação para o contexto das quintas pedagógicas ao nível da dimensão pessoal o indivíduo vê nela um espaço que é um conjunto de lugares exteriores a si, ao seu corpo, nos quais desenvolve actividades e a sua maneira de ser (Petrash, 1996).
Mas, surgem outras dimensões que não podemos descurar, como por exemplo a dimensão social. É preciso desenvolver uma interiorização de regras, as quais definem uma maneira de ser e de viver numa sociedade. Um espaço, a sua organização, o seu uso social, são atravessados por comportamentos e actividades ligados aos sistemas e valores vigentes numa sociedade" (Fischer, 1994).
Na dimensão cultural o indivíduo afirma-se parte integrante de um todo que ele sente, também, como sendo seu, como forma de condição humana, extraída do processo de instrução, veículo de adaptação ao meio físico e à cultura da sociedade onde vive. Como dimensão formadora do indivíduo a cultura designa um conjunto de regras interiorizadas, de saberes e de práticas partilhadas pelos membros do grupo, ao encontro de uma realidade comum, a qual advém de um conjunto de costumes que constituem a herança social de uma comunidade, assegurando a integração dos indivíduos numa colectividade (Goodman, 1978).
Na perspectiva de Bertrand, Valois e Jutras (1998) "a educação deve orientar-se para uma nova cultura procedente de uma verdadeira consciência ecológica", como meio de transmissão de conhecimentos em torno da necessidade social de intervenção nas questões do ambiente. Defendem os autores "uma cultura da educação onde a reflexão entre o aluno e o ambiente em que vive se torna matéria para compreender e objecto de intervenções".
Ora, é precisamente neste capítulo de intervenções que pode e deve entrar a educação pela arte, pois no entender de Leontiev "a arte tem algo a ver com o desenvolvimento da personalidade, temos de aceitar que isto só pode ocorrer em diálogo, na interacção de dois mundos com significado". E o mesmo autor afirma ainda que "ao desenvolver contactos com a arte, um indivíduo torna as suas relações com o mundo mais flexíveis, significativas e orientadas para o futuro, tornando-se mais adaptadas, no sentido mais lato do termo".
Ainda nesta perspectiva afirma Suchodolski "O mundo da arte é o mundo humano concebido de outra maneira. Não se opõe aos homens enquanto instrumento material e exterior da sua força, é idêntico a eles enquanto projecção da sua vida interior".
A coexistência entre a agricultura e a criação desencadeia um processo de desenvolvimento do Homem, pois segundo Fukuoka "a agricultura não é só a plantação, crescimento e colheita dos produtos desse mesmo trabalho. É algo mais, como a realização do ser contribuindo deste modo para o conhecimento humano. A prática agrícola é factor de libertação espiritual, caminho original de liberdade, fonte de vida, alimento do corpo e da alma. Numa época de rápido avanço tecnológico, a agricultura é, talvez, o único veículo que nos conduz no caminho da vida de uma maneira lenta e tranquila, opostamente à generalidade que teima na vida comum".
Estamos empenhados em contribuir para que as quintas pedagógicas se desenvolvam implementando este género de espaços com o objectivo de levar o campo para a cidade, porque as quintas pedagógicas pela sua complexidade permitem, a partir de si, abordagens em diversas dimensões do desenvolvimento e da aprendizagem.
Foi esta reflexão que fez com que a Alma Alentejana desenvolvesse um trabalho de pesquisa em torno das experiências das quintas pedagógicas, sendo nosso desejo criar um espaço, no concelho de Almada, constituído por um edifício tipo “monte alentejano” ligando a este a componente educativa, no sentido de proporcionar, numa perspectiva intergeracional, a vida rural e a actividade agrícola, onde esteja integrada a educação pela arte, ao mesmo tempo que se estabelecer a ligação entre conteúdos abordados nos programas escolares e a prática de actividades experimentais que facilitem a compreensão daqueles conteúdos, e se contribui para a formação de um cidadão responsável.
Como o próprio título indica, vimos reforçar o empenho de um projecto para o futuro, o qual pretende, através da criação de um espaço pedagógico para o concelho de Almada, promover a coabitação entre o mundo rural e a educação pela arte em torno do conhecimento humano e da sua consequente valorização.
Esse espaço terá que ser sempre um amplo espaço de disponibilidade onde, em cada dia, a criatividade, a imaginação, a descoberta, possam germinar. Espaço que deverá ser, antes de tudo, um espaço que estimule a liberdade.
E se a educação na sua globalidade é "um dos mais poderosos instrumentos de mudança", nas palavras de Edgar Morin, quer do ponto de vista social, económico e cultural, então caminhemos rumo à mudança.
Acreditamos consciente e convictamente que se desenvolvermos esta atitude de aprofundamento do conhecimento, fomentaremos novas perspectivas para o futuro.


Comunicação apresentada no Seminário Arte, Educação e Sociedade - Abordagens na perspectiva da Educação pela Arte, Convento dos Capuchos, 29 de Maio de 2004


REFERÊNCIAS BIBLIO E WEBGRÁFICAS:

Bertrand, Yves & Valois, Paul, & Jutras, France (1998). A Ecologia na Escola- inventar um futuro para o planeta. Lisboa: Instituto Piaget
Fischer, Gustave N. (1994). Psicologia Social do Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget
Fróis, João Pedro, et al. (2000). Educação Estética e Artística - abordagens transdisciplinares. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian
Fukuoka, Masanobu (2001). A Revolução de Uma Palha - uma introdução à agricultura selvagem. Porto: Via Óptima
Goodman, Paul et al. (1978). A Educação do Futuro. Lisboa: Bertrand
Petrash, Carol (1996). Os Tesouros da Terra Lisboa: Instituto Piaget
Pinto, Manuel et al. (2003) Cruzamento de Saberes - Aprendizagens Sustentáveis. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian
Rosário, Trovão (1999). A educação e a motricidade humana. Cadernos da Casa Humana, 1, 8-13
Suchodolski, Bogdan, et al. (1978). A Educação do Futuro. Lisboa: Bertrand
http://ceja.educagri.fr/por/ac.htm
http://www.expresso.pt\à descoberta do campo.htm

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