O desconhecimento do mundo rural - um problema quotidiano das urbes
Com o afastamento progressivo da população em relação ao campo, começou a surgir um desconhecimento do mundo rural. (Costa; Rodet, s.d.)
Ao ignorar-se a actividade do sector primário, leva a que muitas vezes as crianças de meios urbanos pensem que os alimentos nascem já embalados a partir das prateleiras dos supermercados. Ora, o conhecimento da terra e daquilo que ela nos dá é urgente, porque segundo as palavras do Prof. Pierre Delbert, da Academia de Medicina de França: “Nenhuma actividade humana, nem mesmo a medicina tem tanta importância para a saúde como a agricultura”
Na medida em que o fosso que separa as populações das suas origens rurais parece acentuar-se, surge-nos a reflexão de que: "dependemos da terra para a nossa sobrevivência; é a agricultura que sustenta a actividade e conquistas da nossa civilização moderna. É, pois, uma actividade vital e com repercussões globais: no ambiente, nas plantas, nos animais, no homem.
No entender de Távora a articulação das actividades urbanas com as actividades rurais, acompanhada de uma nova ocupação do espaço, como via possível para um futuro melhor, pode-se verificar na citação seguinte: "Hoje, o antagonismo cidade-campo assumiu a forma colossal de um antagonismo entre as sociedades humanas e o planeta que lhes serve de habitat, e a cuja superação já se não presta a velha ideologia cientista da «dominação da natureza». Encarar a relação da espécie humana com a natureza em termos de colaboração e não de dominação implica uma revolução mental de proporções históricas (como, noutro sentido, foi o Renascimento). Mas implica igualmente enormes transformações no viver quotidiano concreto das sociedades, transformações essas que se apresentam bloqueadas por causas díspares mas convergentes."
Os profissionais educativos, ao depararem-se com estas necessidades dos seus alunos em relação ao conhecimento do mundo rural começam a levar as crianças de meio urbano a visitas de estudo às pequenas hortas existentes nas proximidades das suas urbes.
Conscientes desta realidade os agentes da educação em conjunto com os órgãos de poder local começaram a construir quintas pedagógicas, por entenderem que estes espaços educativos são fundamentais para recuperar trabalhos, gestos e vivências da prática da agricultura.
As quintas pedagógicas podem funcionar como um dos veículos de sucesso de desmistificação de algumas dúvidas existenciais das crianças, a par de outras fontes de informação mais comuns.
Num estudo promovido pelo Conselho Europeu de Jovens Agricultores (CEJA) em 1999, duas em três crianças referem a escola como fonte preferencial para recolher a sua informação, e o outro terço menciona os pais e a televisão. O desconhecimento em relação ao mundo rural é maior nos centros urbanos, onde as crianças visitam mais frequentemente centros comerciais, supermercados e parques infantis.
O mesmo estudo revela que esta necessidade de conhecer o mundo rural é generalizado nas crianças em idade escolar básica dos Estados-membros. Podemos retirar que as crianças da União Europeia (UE) associam a imagem do agricultor a um “avô” muito ocupado. Mas não ficam por aqui: 78% consideram-no um amigo, 72% acham-no generoso e 65% muito velho. Outros, ainda, acrescentam a qualificação como sendo "muito pobre". Para as crianças portuguesas o perfil é idêntico, mas aos qualitativos citados pela esmagadora maioria da pequenada da UE juntam-lhe outro: o agricultor é, para 74% um homem pobre. Estes são alguns dos aspectos mais evidenciados pelas crianças europeias num estudo aplicado a 2400 crianças.
No imaginário dos meninos dos Quinze, com idades compreendidas entre os 9 e os 10 anos, é ponto assente a existência de animais nas quintas. Neste particular, a vaca é conhecida por 84% dos inquiridos, enquanto que o porco apenas é reconhecido por 63%, o cavalo por 55%, o carneiro por 49% e a galinha por 42%. No que se refere à classificação dos animais, note-se o seguinte resultado proveniente desta investigação: 38% consideram o porco como um animal herbívoro e 80% dizem que o leite vem das cabras e carneiros.
Mais difícil é responderem correctamente quanto à origem dos produtos e subprodutos agrícolas. Mais de um quarto das crianças afirmam sem receios que o algodão “vem do carneiro” e 11% estiveram perto da resposta certa ao dizer que o algodão “vem de uma árvore”. Apenas 25% acertaram: “O algodão vem de um arbusto”. Em Portugal apenas 20% responderam correctamente e na Irlanda e Inglaterra o número desceu para 10%. A proveniência do açúcar e da farinha não foge à regra. Metade dos inquiridos não sabe de onde vem. Mas o cenário melhora para as crianças portuguesas, 50% identificam a sua origem com a cana-de-açúcar, para as restantes o desconhecimento permanece.
Quanto às condições necessárias para o desenvolvimento das plantas, as crianças mostram conhecer quais os elementos fundamentais para que tal processo se desencadeie, respondendo que são a água, a luz e a terra. O uso de pesticidas, insecticidas e herbicidas apenas faz parte do conhecimento de 4% do total.
Às respostas das crianças da UE não é indiferente a maior ou menor amplitude do sector agrícola de cada país e talvez por isso as crianças portuguesas não traduzam um desconhecimento total em relação ao mundo rural.
Apesar de tudo, os portugueses estão entre os que demonstram maior conhecimento das coisas do campo.
Do estudo pode também concluir-se que as crianças portuguesas, espanholas, irlandesas são as que têm mais ligação com o mundo agrícola, além de demonstrarem um maior entusiasmo por esta actividade. As que menos visitam quintas são as italianas e as alemãs.
O estudo revela também que 78% das crianças já visitaram uma quinta, tendo 90% gostado muito. Do universo das crianças portuguesas entre os nove e os 10 anos que responderam ao inquérito (mais de 200), 28% nunca foram a uma quinta nem conhecem a realidade agrícola.
No que refere à actividade agrícola, as crianças não hesitam em responder que esta actividade dá emprego a muita gente no campo e que respeita o ambiente. Mas não estão nos seus horizontes uma profissão vocacionada para a agricultura.
Ao encontro da solução deste problema está em funcionamento desde 1996, a Quinta Pedagógica dos Olivais, em Lisboa, havendo nesta diversos animais, uma horta e um programa variado centrado na aprendizagem, onde os visitantes podem confeccionar alimentos do nosso dia-a-dia como o pão, o queijo fresco e as doçarias.
Outro espaço existente no nosso país é a Quinta Pedagógica “Cantar de Galo” situada em Coruche na Herdade da Cascavel, a qual abriu as suas portas ao público em 1995, apostando diariamente em temas diferentes.
No Jardim Zoológico de Lisboa, funciona, também, a "Quintinha" pequeno espaço pedagógico que procura mostrar o cultivo de espécies vegetais e animais do campestres.
Existem ainda outras valências ao nível nacional como a Herdade das Parchanas situada no concelho de Alcácer do Sal, direccionada para a vertente de escola ambiental, e, presentemente, existem outras quintas pedagógicas em fase de implementação em diversos pontos do país.
Num momento de amplo desenvolvimento das quintas pedagógicas em Portugal foram dados os primeiros passos para a criação de uma Associação Nacional de Quintas Pedagógicas, a fim de reforçar a implementação destes espaços no nosso país.
Os projectos da natureza das quintas pedagógicas servem de apoio à formação das crianças, tendo como objectivo a transmissão da imagem do mundo rural no meio urbano, representando uma compreensão das relações entre o humano e o natural, ao mesmo tempo que estabelecem a ligação do que é intervenção humana e o que é o meio natural.
Num Seminário sobre Agricultura Biológica, extraímos algumas opiniões e afirmações que são importantes trazer para este trabalho, nomeadamente, no tocante à educação ambiental e ao estudo das quintas pedagógicas.
A necessidade de uma educação ambiental "está relacionada com questões de ordem ética, precisamente porque temos responsabilidades para com as novas gerações, levando até estes o entendimento de que as escolhas que se fazem no dia-a-dia torna-nos participantes de um todo e co-responsáveis dos respectivos impactes ambientais e sociais".
Outro autor reflecte sobre três aspectos importantes da agricultura, em particular o equilíbrio alimentar e comercial, o equilíbrio social e o equilíbrio ecológico. Ainda o referido autor afirma que: "a agricultura tem o privilégio do contacto directo com animais, plantas e toda a natureza em geral. São imensas as coisas que se podem aprender e por isso têm feito enorme sucesso por essa Europa fora e também em Portugal as quintas pedagógicas, onde as pessoas podem aprender, tocar e até experimentar tratar de animais e plantas".
As quintas pedagógicas são espaços abertos, o que vai ao encontro de pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais, numa multiplicidade de motivações e interesses cujo elo de ligação é o fascínio, desencadeando a nostalgia que a ruralidade e o ambiente rural cria na alma do citadino. Possibilitam o reviver ou o contacto com o mundo rural, no qual se podem observar e praticar os afazeres da lavoura, o amanho da terra e o seu cultivo, o tratamento das hortas, actividades pecuárias, visitas aos animais, cozinhas tradicionais com padaria, queijaria e doçaria, oficinas de artesanato, ofícios, clubes de observação, laboratórios para experiências e ludotecas.
A agricultura não é só a plantação, crescimento e colheita dos produtos desse mesmo trabalho. É algo mais, como a realização do ser contribuindo deste modo para o conhecimento humano. A prática agrícola é factor de libertação espiritual, caminho original de liberdade, fonte de vida, alimento do corpo e da alma. Mas este processo é difícil e longo, requerendo muita atenção e concentração ao que nos rodeia. Existencialmente há uma ligação ancestral que liga o homem à terra. Numa época de rápido avanço tecnológico, a agricultura é, talvez, o único veículo que nos conduz no caminho da vida de uma maneira lenta e tranquila, opostamente à generalidade que teima na vida comum.
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