Monday, August 02, 2004

Reforma Agrária: “ a terra a quem a trabalha” passados 25 anos


A Revista Cultural “Alma Alentejana” não podia deixar de assinalar a comemoração dos 25 anos daquele que foi um dos períodos da história nacional recente que marcou decisivamente, e por consequência, a história do Alentejo: a Reforma Agrária.
Pelo facto, dedicamos as próximas páginas a todos aqueles que lutaram na tentativa de trazer melhores dias para os campos de Portugal, e mais concretamente para os campos do Sul.
A Reforma Agrária é marcada pela frase “a terra a quem a trabalha”, bem como pelas ocupações de terras, nacionalizações de herdades e expropriações das mesmas, sendo considerada por muitos como o período mais difícil do processo revolucionário, onde era normal ocorrerem manifestações, verem-se paredes caiadas com ameaças e condenações à morte, embora segundo consta nunca nenhuma tenha ocorrido.
A agricultura portuguesa até à Revolução dos Cravos não tinha uma participação activa a nível político, pois nem sequer existia um reconhecimento ministerial estando inserida no Ministério da Economia como Secretaria de Estado da Agricultura.
Depois da revolução, é então criado o Ministério da Agricultura, surgindo com este os “centros de reforma agrária”, e com o Decreto-Lei n.º 236-B/76 de 5 de Abril de 1976, nasce a Zona de Intervenção da Reforma Agrária (ZIRA), a qual abrangia os distritos de Beja, Évora, Portalegre e Setúbal, parte do sul do distrito de Castelo Branco e de Santarém, bem como dois concelhos de Lisboa e as freguesias do distrito de Faro confinantes com o distrito de Beja.
No entanto, as ocupações de terras começaram a emergir, e para Afonso de Barros estas ocupações dividiram-se em três fases: a 1.ª - de fins de 1974 até Julho de 1975; a 2.ª - em pleno “Verão Quente” de 1975; e a 3.ª - de princípios de Outubro de 1975 até Dezembro do mesmo ano.
A 1.ª fase caracteriza-se pela ocorrência das primeiras ocupações de terras, quando há um agravamento do desemprego sazonal. É precisamente aqui que existe alguma controvérsia à volta de qual terá sido a primeira a ser ocupada. E se para o ex-governador civil de Évora, Alves Pimenta, a primeira ocupação surgiu na Herdade de Pombal (distrito de Évora), já para António Barreto ocorreu na Herdade do Outeiro ou Herdade do “Zé da Palma” (concelho de Beja).
Na 2.ª fase o movimento de ocupação de terras tem a sua maior expressão, e os trabalhadores apoiados pelo PCP e pelo MFA, assumem claramente a sua intenção de modificar as relações de propriedade e de produção.
Durante a 3.ª fase do movimento ocupam-se cerca de 60% do total das terras a expropriar, finda o período revolucionário que ficou conhecido como PREC e nascem as Unidades Colectivas de Produção (UCP).
Realce para o facto, da lei de expropriações e nacionalizações de herdades ter sido aprovada durante o PREC, pois as ocupações de terras estavam no seu apogeu, sendo as nacionalizações, fundamentadas em função das construções de infra-estruturas como as barragens e as aquisições de equipamentos para rega, da parte do Estado a partir dos anos 50, de forma a melhorar o rendimento das terras através da hidráulica agrícola.
Os acontecimentos de 11 de Março de 1975, nos quais saíram vencedoras as forças político-militares verdadeiramente democráticas, fizeram com que surgisse o primeiro texto integral sobre a Reforma Agrária (Decreto-Lei n.º 203-C/75, de 15 de Abril de 1975).
As UCP, resultantes do movimento de ocupação de terras por trabalhadores rurais, dirigido pelos Sindicatos de Trabalhadores Agrícolas locais, receberam consagração no Decreto-Lei n.º 406 – B/75, de 29 de Julho de 1975. Estas UCP, foram consideradas como um dos temas fortes do imaginário revolucionário nacional e internacional, dado o carácter ideológico expressivo dos nomes adoptados, como por exemplo: Cravo Vermelho, Esquerda Vencerá, Alentejo Vermelho, Álvaro Cunhal, Otelo Saraiva de Carvalho, Samora Machel ou Catarina Eufémia.
As UCP contribuíram para o aumento da superfície cultivada no ano agrícola de 1975/76 e, consecutivamente, aumentar a produtividade da agricultura, correspondendo deste modo à convicção dos que defenderam a sua criação.
Com o pedido de demissão do Eng.º Lopes Cardoso de ministro da Agricultura, entra, para ocupar a pasta, António Barreto, que veio marcar politicamente esta questão, visando a transformação das estruturas agrárias através da apresentação de uma proposta de lei, que viria a ficar conhecida como “Lei Barreto”, a qual foi aprovada na generalidade com os votos a favor do PS e do PPD/PSD, apesar dos votos contra do CDS e do combate da lei pelo PCP e UDP desde a sua elaboração.
Contudo, e mesmo com os excessos cometidos, o que acaba por ser natural nas revoluções, a Reforma Agrária enquanto esteve em vigor, revestiu-se de extrema importância, pois permitiu os aumentos da área cultivada e da produção, bem como o melhoramento das condições de vida dos assalariados, e o crédito agrícola de emergência foi uma boa medida criada, de maneira a possibilitar a resolução de alguns problemas como a falta de dinheiro para pagar aos trabalhadores.
No preâmbulo da Constituição de 76, fazia-se referência à Reforma Agrária como “um dos instrumentos fundamentais para a construção da sociedade socialista”, na tentativa de melhorar a “situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores”, de forma a criarem-se “as condições necessárias para atingir a igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura”, em relação aos trabalhadores de outros sectores, não esquecendo as infra-estruturas, e os meios humanos, técnicos e financeiros.
Ao longo das revisões constitucionais o título “Reforma Agrária” foi sendo modificado, e na Revisão Constitucional (RC) de 1982 passou a designar-se “Política Agrícola e Reforma Agrária”, e com o declínio da Reforma Agrária a acentuar-se cada vez mais com o passar dos anos, o termo foi mesmo suprimido na RC de 1989.
Em 1986, Portugal entra na CEE, e a Reforma Agrária tem praticamente o seu terminus no que concerne à regência da política agrícola nacional, passando a agricultura portuguesa a orientar-se segundo os modelos europeus da Política Agrícola Comum (PAC).
As ocupações de terras, as nacionalizações, as expropriações, e todos os outros factores, fizeram da Reforma Agrária um fenómeno político de extrema expressão histórica. Por isso, ainda muito há a investigar e estudar sobre o que considero um dos grandes temas da nossa História, e a apresentação do Centro de Documentação da Reforma Agrária, no dia 29 de Julho deste ano, em Montemor-o-Novo, durante as Comemorações dos 25 Anos deste acontecimento histórico, poderá contribuir para que a investigação prossiga dando continuidade aos projectos iniciados pelo Centro de Estudos de Economia Agrária (Fundação Calouste Gulbenkian), e pelo Gabinete de Estudos Rurais da Faculdade de Ciências Humanas (Universidade Católica).
Talvez seja agora, a altura ideal para começar a elaborar algumas teses mais fidedignas sobre a Reforma Agrária, dado o passar dos anos sobre a questão que revolucionou os campos em Portugal, e principalmente do Alentejo, terem distanciado emocionalmente os intervenientes, os quais desta forma poderão dar um importante contributo para a investigação do tema, da qual em muito beneficiará a História e todos nós.


(Revista Cultural “Alma Alentejana”, 2000)

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