A caneta que não queria escrever
No outro dia tive uma conversa muito séria com a minha caneta. Chegámos mesmo a levantar a voz um para o outro. Ela não queria escrever, e eu queria que ela escrevesse.
Discutimos tanto, tanto, que já nem nos ouvíamos. Virámos as costas um ao outro e cruzámos os braços como duas crianças com birra.
- Não queres escrever, não escrevas. – disse eu todo amuado.
- Pois não escrevo, não escrevo e não escrevo – ripostou ela
toda orgulhosa.
Andámos de cara voltada durante largas semanas, sem sequer dar
os bons dias. Nenhum de nós queria dar o braço a torcer. Mas aquele ambiente lá em casa não podia continuar muito mais tempo. Até os meus amigos já gozavam comigo, fazendo-me perguntas provocatórias sobre a caneta.
- Então, perdeste a caneta? Ou arranjaste agora essa melhor?
Eu, às vezes, nem respondia, fingindo não ouvir aquilo que me
perguntavam. Confesso que aquele tipo de perguntas e o modo como as faziam me deixavam aborrecido.
Claro que aquela caneta que agora andava comigo não era tão boa, pois era da loja do euro e meio, que antigamente se chamavam lojas dos trezentos escudos. Vejam bem há quanto tempo é que isto se passou. Era uma caneta que falhava muito na escrita, era vagarosa, tinha poucas ideias, ou seja, era o oposto da outra, que era fluente ao escrever, rápida e com ideias muito interessantes.
Um dia chego a casa disposto a pôr fim a toda aquela situação e reconciliarmo-nos. Afinal, aquela caneta tinha sido sempre a minha companheira de todas as horas oficinais da escrita. Mas qual foi o meu espanto quando a vi sobre a secretária deitada, gemendo com dores.
- Dói-me a alma. Já não escrevo há tanto tempo. Estou seca.
Preciso de uma carga nova.
Saí porta fora como um louco. Desci as escadas aos saltos, de
patamar em patamar, e fui até à ponta da rua, onde havia uma farmácia que vendia medicamentos para canetas. Pedi ao farmacêutico que me desse rapidamente uma carga novinha para a minha caneta.
Assim que lhe pus a carga, ganhou uma nova vida.
Com o entusiasmo saltou para o meu ombro e deu-me tantos beijos que me salpicou a cara toda de tinta.
É claro que isso obrigou-me a tomar um grande banho, o que fez com que ela risse sem parar ao ver-me tirar toda aquela tinta que tornava a água cada vez mais azul.
Nunca mais nos aborrecemos. Às vezes, quando a sinto cansada por já ter feito muitas letras, e por sua vez muitas palavras, que acabam no final por dar longos textos, coloco-a a dormir sobre a secretária, onde gosta de ficar durante as horas de sono, para recuperar energias. E no dia seguinte lá está ela pronta, totalmente recuperada para voltar a desempenhar as suas tarefas, tal como esta história, que sonhou enquanto dormia, e que acaba de escrever para ti.
2 Comments:
Por estas e por outras, por muito cunho poético de que venhma imbuídas, é que eu prefiro o teclado do meu computador... ;)))
15 August, 2004
Gostava de ter uma caneta como essa que me fizesse companhia quando me sinto só e decido escrever...
Adorei a história, fico à espera que venham outras.
Fica bem.
06 December, 2005
Post a Comment
<< Home