Monday, August 02, 2004

Na Quinta dos Animais

Num pequeno hectare do Ocidente havia uma quinta com muitos animais. Nos últimos tempos a confusão instalara-se naquela pequena parcela de terreno, porque a comunidade de peixes não gostava da maneira como os cavalos, eleitos democraticamente, dirigiam a quinta.
O líder da comunidade opositora era um peixe muito fino que em tempos nadara em águas poluídas, mas que no presente assumia um papel de limpeza externa com as escamas sempre bem polidas e brilhantes, tendo mais tendência de amizade com tubarões do que com chicharros.
Por outro lado, os cavalos já estavam cansados. Não conseguiam galopar na direcção que tinham prometido. Arrastavam-se cada vez mais no pouco pasto que havia na exploração agrícola. Houve até um veterinário que chegou mesmo a diagnosticar que aquela doença se devera a uma ração proveniente do norte da propriedade, a qual continha queijo, sendo esse o factor que provocou o esquecimento de orientação dos responsáveis pela gestão da quinta.
No dia das eleições todos os animais levantaram-se cedo para votar. A população da quinta queria mesmo que os cavalos abandonassem o poder para dar lugar aos peixes, que, embora não trouxessem alternativas de mudança concretas, convenciam os mais indecisos que tal seria possível. Aquilo foi uma correria. Era ver gatos todos arranjados de camisa branca e calças de fazenda escura, coelhos muito pomposos com o pêlo bem escovado, pássaros de laçarotes de várias cores, galos de peito inchado com largos chapéus de chuva para não se molharem num dia coberto de nuvens negras que teimavam não abandonar o céu, cães engravatados, enfim, uma loucura só vista. E até ao fechar das urnas as cruzinhas lá iam sendo riscadas nos papelitos brancos caindo, depois, morbidamente na dita caixa preta.
Conhecidos os resultados, começaram a sair dos estábulos e das tocas os animais apoiantes da lista vencedora com cachecóis e bandeiras, festejando efusivamente a vitória das cores da sua simpatia. Os cânticos e os apitos faziam-se soar na praça principal da quinta que ficou completamente cheia de um momento para o outro. Toda aquela bicharada esperava o discurso vitorioso do líder mais votado. Os minutos passavam e o seu aparecimento tardava. Num ecrã gigante, construído propositadamente para o efeito, aparecia na imagem uma galinha maluca de fato às riscas, líder de uma outra lista concorrente. Tendo outras manas todas emproadas como pano de fundo, cantava, também ela, vitória, enquanto os seus pintainhos queques soltavam frases copiadas de uma claque desportiva. Isto deixou os animais na praça completamente confusos.
Muito discretos a assistir a toda aquele pagode, estava um mocho e um cágado. O mocho tinha estado há muitos anos numa quinta de Leste, porque um pássaro cinzento de grandes asas o obrigara a procurar outras terras de cultivo, que não aquelas onde nascera. O cágado, por sua vez, fora em tempos mais recentes uma figura de relevo na organização das diferentes estruturas da propriedade rural.
- Não consigo acreditar nestes resultados. Como é que o povo da nossa
quinta vai eleger estes peixes? – disparava o cágado um pouco aborrecido pela escolha dos outros animais.
- Com estes então é que não vamos a lado nenhum. E o mais certo é que as galinhas malucas emproadas se juntem aos peixes. Chegam a dar pena. – soltava o mocho, puxando do maço de cigarros ainda cheio.
- Aquela galinha queque das feiras a cantar vitória – afirmava o cágado com um sorriso irónico.
- Temos que pensar nestes resultados. Não podemos deixar a quinta
afundar-se com a sua gestão. Nada vai mudar. – pensava alto o mocho com um olhar no infinito.
- Tu que tens asas por que não foges para a quinta aqui do lado. Lá
vive-se melhor. Olha o que fez o teu camarada escritor. – questionava o cágado ao seu amigo mocho.
- Não quero! Já chegou uma vez. Agora, mesmo mal, prefiro ficar. –
respondeu o mocho muito resistentemente.
- Eu também não fujo daqui. Continuarei a lutar! Seguirei o caminho
que é do mesmo lado do meu coração. E a alma será cada vez mais forte pelo progresso que urge aqui na quinta. – disse o mocho convictamente.
No meio do diálogo ouviu-se a voz de um burro fechando a porta da quinta.
- Durarão ou não durarão, eis a questão?
E a história termina aqui.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home