Monday, August 02, 2004

A luz vinda do postigo da porta

Era uma daquelas noites em que a aldeia dormia num silêncio tranquilo sob a luminosidade das estrelas inscritas no céu. Na rua principal notava-se a luz vinda do postigo de uma porta. Lá dentro estava um homem sentado numa cadeira, curvado sobre um livro. Fazia-o sempre àquela hora. Apenas se ouviam os passos da memória, com palavras conjugadas ao som das vozes. Aquele gesto revestia-se de sentimentos necessitados de ser partilhados todas as noites com os seus melhores amigos, os livros. Ali ficava horas a fio pela noite dentro. Parecia não se cansar.

São Brissos - Beja, 2003


Na Quinta dos Animais

Num pequeno hectare do Ocidente havia uma quinta com muitos animais. Nos últimos tempos a confusão instalara-se naquela pequena parcela de terreno, porque a comunidade de peixes não gostava da maneira como os cavalos, eleitos democraticamente, dirigiam a quinta.
O líder da comunidade opositora era um peixe muito fino que em tempos nadara em águas poluídas, mas que no presente assumia um papel de limpeza externa com as escamas sempre bem polidas e brilhantes, tendo mais tendência de amizade com tubarões do que com chicharros.
Por outro lado, os cavalos já estavam cansados. Não conseguiam galopar na direcção que tinham prometido. Arrastavam-se cada vez mais no pouco pasto que havia na exploração agrícola. Houve até um veterinário que chegou mesmo a diagnosticar que aquela doença se devera a uma ração proveniente do norte da propriedade, a qual continha queijo, sendo esse o factor que provocou o esquecimento de orientação dos responsáveis pela gestão da quinta.
No dia das eleições todos os animais levantaram-se cedo para votar. A população da quinta queria mesmo que os cavalos abandonassem o poder para dar lugar aos peixes, que, embora não trouxessem alternativas de mudança concretas, convenciam os mais indecisos que tal seria possível. Aquilo foi uma correria. Era ver gatos todos arranjados de camisa branca e calças de fazenda escura, coelhos muito pomposos com o pêlo bem escovado, pássaros de laçarotes de várias cores, galos de peito inchado com largos chapéus de chuva para não se molharem num dia coberto de nuvens negras que teimavam não abandonar o céu, cães engravatados, enfim, uma loucura só vista. E até ao fechar das urnas as cruzinhas lá iam sendo riscadas nos papelitos brancos caindo, depois, morbidamente na dita caixa preta.
Conhecidos os resultados, começaram a sair dos estábulos e das tocas os animais apoiantes da lista vencedora com cachecóis e bandeiras, festejando efusivamente a vitória das cores da sua simpatia. Os cânticos e os apitos faziam-se soar na praça principal da quinta que ficou completamente cheia de um momento para o outro. Toda aquela bicharada esperava o discurso vitorioso do líder mais votado. Os minutos passavam e o seu aparecimento tardava. Num ecrã gigante, construído propositadamente para o efeito, aparecia na imagem uma galinha maluca de fato às riscas, líder de uma outra lista concorrente. Tendo outras manas todas emproadas como pano de fundo, cantava, também ela, vitória, enquanto os seus pintainhos queques soltavam frases copiadas de uma claque desportiva. Isto deixou os animais na praça completamente confusos.
Muito discretos a assistir a toda aquele pagode, estava um mocho e um cágado. O mocho tinha estado há muitos anos numa quinta de Leste, porque um pássaro cinzento de grandes asas o obrigara a procurar outras terras de cultivo, que não aquelas onde nascera. O cágado, por sua vez, fora em tempos mais recentes uma figura de relevo na organização das diferentes estruturas da propriedade rural.
- Não consigo acreditar nestes resultados. Como é que o povo da nossa
quinta vai eleger estes peixes? – disparava o cágado um pouco aborrecido pela escolha dos outros animais.
- Com estes então é que não vamos a lado nenhum. E o mais certo é que as galinhas malucas emproadas se juntem aos peixes. Chegam a dar pena. – soltava o mocho, puxando do maço de cigarros ainda cheio.
- Aquela galinha queque das feiras a cantar vitória – afirmava o cágado com um sorriso irónico.
- Temos que pensar nestes resultados. Não podemos deixar a quinta
afundar-se com a sua gestão. Nada vai mudar. – pensava alto o mocho com um olhar no infinito.
- Tu que tens asas por que não foges para a quinta aqui do lado. Lá
vive-se melhor. Olha o que fez o teu camarada escritor. – questionava o cágado ao seu amigo mocho.
- Não quero! Já chegou uma vez. Agora, mesmo mal, prefiro ficar. –
respondeu o mocho muito resistentemente.
- Eu também não fujo daqui. Continuarei a lutar! Seguirei o caminho
que é do mesmo lado do meu coração. E a alma será cada vez mais forte pelo progresso que urge aqui na quinta. – disse o mocho convictamente.
No meio do diálogo ouviu-se a voz de um burro fechando a porta da quinta.
- Durarão ou não durarão, eis a questão?
E a história termina aqui.

O último cair do olhar

Quando as estantes dos livros lidos começaram a ficar cheias de pó, o escritor decidiu abrir a gaveta onde guardava os poemas, as crónicas, os contos, as novelas, as reflexões, os pensamentos nunca ditos que a sua arte coleccionou durante as manhãs de inspiração, as tardes de chuva e as noites de insónias.
Ali, numa letra inclinada e miúda, encontravam-se pedaços de uma vida decorada com muitas estórias de diversas tonalidades. Estava tudo lá: a infância passada na cidade, na qual as crianças ainda tinham espaço para brincar junto aos prédios, a adolescência entre a descoberta da mudança natural do corpo e as primeiras desilusões amorosas, a primeira fase adulta de aventura pelas universidades do estrangeiro e o regressar à terra-mãe na esperança de encontrar um país de espírito progressista na construção humana diária do futuro presente.
A escrita já era para o artista um arrastar da mão pelas memórias. Sem sonhos, sem nada de novo para lançar à praça da agitação. Limitava-se ao ritual de acordar, sentar-se na cadeira em frente ao espelho da cómoda e rir ironicamente do seu rosto envelhecido pelo cansaço da frustração que os últimos dias da sua vida lhe destinaram viver.
Era hora de um último olhar. Era hora de uma última palavra para ninguém escutar:
- Não digo mais nada!
Aquele homem, adormecera. Para sempre.
A gaveta ficou aberta à espera de alguém escrever mais um poema, uma crónica, um conto, uma novela, uma reflexão, um pensamento para dentro de si e fechá-la.

A caneta que não queria escrever

No outro dia tive uma conversa muito séria com a minha caneta. Chegámos mesmo a levantar a voz um para o outro. Ela não queria escrever, e eu queria que ela escrevesse.
Discutimos tanto, tanto, que já nem nos ouvíamos. Virámos as costas um ao outro e cruzámos os braços como duas crianças com birra.
- Não queres escrever, não escrevas. – disse eu todo amuado.
- Pois não escrevo, não escrevo e não escrevo – ripostou ela
toda orgulhosa.
Andámos de cara voltada durante largas semanas, sem sequer dar
os bons dias. Nenhum de nós queria dar o braço a torcer. Mas aquele ambiente lá em casa não podia continuar muito mais tempo. Até os meus amigos já gozavam comigo, fazendo-me perguntas provocatórias sobre a caneta.
- Então, perdeste a caneta? Ou arranjaste agora essa melhor?
Eu, às vezes, nem respondia, fingindo não ouvir aquilo que me
perguntavam. Confesso que aquele tipo de perguntas e o modo como as faziam me deixavam aborrecido.
Claro que aquela caneta que agora andava comigo não era tão boa, pois era da loja do euro e meio, que antigamente se chamavam lojas dos trezentos escudos. Vejam bem há quanto tempo é que isto se passou. Era uma caneta que falhava muito na escrita, era vagarosa, tinha poucas ideias, ou seja, era o oposto da outra, que era fluente ao escrever, rápida e com ideias muito interessantes.
Um dia chego a casa disposto a pôr fim a toda aquela situação e reconciliarmo-nos. Afinal, aquela caneta tinha sido sempre a minha companheira de todas as horas oficinais da escrita. Mas qual foi o meu espanto quando a vi sobre a secretária deitada, gemendo com dores.
- Dói-me a alma. Já não escrevo há tanto tempo. Estou seca.
Preciso de uma carga nova.
Saí porta fora como um louco. Desci as escadas aos saltos, de
patamar em patamar, e fui até à ponta da rua, onde havia uma farmácia que vendia medicamentos para canetas. Pedi ao farmacêutico que me desse rapidamente uma carga novinha para a minha caneta.
Assim que lhe pus a carga, ganhou uma nova vida.
Com o entusiasmo saltou para o meu ombro e deu-me tantos beijos que me salpicou a cara toda de tinta.
É claro que isso obrigou-me a tomar um grande banho, o que fez com que ela risse sem parar ao ver-me tirar toda aquela tinta que tornava a água cada vez mais azul.
Nunca mais nos aborrecemos. Às vezes, quando a sinto cansada por já ter feito muitas letras, e por sua vez muitas palavras, que acabam no final por dar longos textos, coloco-a a dormir sobre a secretária, onde gosta de ficar durante as horas de sono, para recuperar energias. E no dia seguinte lá está ela pronta, totalmente recuperada para voltar a desempenhar as suas tarefas, tal como esta história, que sonhou enquanto dormia, e que acaba de escrever para ti.

Reforma Agrária: “ a terra a quem a trabalha” passados 25 anos


A Revista Cultural “Alma Alentejana” não podia deixar de assinalar a comemoração dos 25 anos daquele que foi um dos períodos da história nacional recente que marcou decisivamente, e por consequência, a história do Alentejo: a Reforma Agrária.
Pelo facto, dedicamos as próximas páginas a todos aqueles que lutaram na tentativa de trazer melhores dias para os campos de Portugal, e mais concretamente para os campos do Sul.
A Reforma Agrária é marcada pela frase “a terra a quem a trabalha”, bem como pelas ocupações de terras, nacionalizações de herdades e expropriações das mesmas, sendo considerada por muitos como o período mais difícil do processo revolucionário, onde era normal ocorrerem manifestações, verem-se paredes caiadas com ameaças e condenações à morte, embora segundo consta nunca nenhuma tenha ocorrido.
A agricultura portuguesa até à Revolução dos Cravos não tinha uma participação activa a nível político, pois nem sequer existia um reconhecimento ministerial estando inserida no Ministério da Economia como Secretaria de Estado da Agricultura.
Depois da revolução, é então criado o Ministério da Agricultura, surgindo com este os “centros de reforma agrária”, e com o Decreto-Lei n.º 236-B/76 de 5 de Abril de 1976, nasce a Zona de Intervenção da Reforma Agrária (ZIRA), a qual abrangia os distritos de Beja, Évora, Portalegre e Setúbal, parte do sul do distrito de Castelo Branco e de Santarém, bem como dois concelhos de Lisboa e as freguesias do distrito de Faro confinantes com o distrito de Beja.
No entanto, as ocupações de terras começaram a emergir, e para Afonso de Barros estas ocupações dividiram-se em três fases: a 1.ª - de fins de 1974 até Julho de 1975; a 2.ª - em pleno “Verão Quente” de 1975; e a 3.ª - de princípios de Outubro de 1975 até Dezembro do mesmo ano.
A 1.ª fase caracteriza-se pela ocorrência das primeiras ocupações de terras, quando há um agravamento do desemprego sazonal. É precisamente aqui que existe alguma controvérsia à volta de qual terá sido a primeira a ser ocupada. E se para o ex-governador civil de Évora, Alves Pimenta, a primeira ocupação surgiu na Herdade de Pombal (distrito de Évora), já para António Barreto ocorreu na Herdade do Outeiro ou Herdade do “Zé da Palma” (concelho de Beja).
Na 2.ª fase o movimento de ocupação de terras tem a sua maior expressão, e os trabalhadores apoiados pelo PCP e pelo MFA, assumem claramente a sua intenção de modificar as relações de propriedade e de produção.
Durante a 3.ª fase do movimento ocupam-se cerca de 60% do total das terras a expropriar, finda o período revolucionário que ficou conhecido como PREC e nascem as Unidades Colectivas de Produção (UCP).
Realce para o facto, da lei de expropriações e nacionalizações de herdades ter sido aprovada durante o PREC, pois as ocupações de terras estavam no seu apogeu, sendo as nacionalizações, fundamentadas em função das construções de infra-estruturas como as barragens e as aquisições de equipamentos para rega, da parte do Estado a partir dos anos 50, de forma a melhorar o rendimento das terras através da hidráulica agrícola.
Os acontecimentos de 11 de Março de 1975, nos quais saíram vencedoras as forças político-militares verdadeiramente democráticas, fizeram com que surgisse o primeiro texto integral sobre a Reforma Agrária (Decreto-Lei n.º 203-C/75, de 15 de Abril de 1975).
As UCP, resultantes do movimento de ocupação de terras por trabalhadores rurais, dirigido pelos Sindicatos de Trabalhadores Agrícolas locais, receberam consagração no Decreto-Lei n.º 406 – B/75, de 29 de Julho de 1975. Estas UCP, foram consideradas como um dos temas fortes do imaginário revolucionário nacional e internacional, dado o carácter ideológico expressivo dos nomes adoptados, como por exemplo: Cravo Vermelho, Esquerda Vencerá, Alentejo Vermelho, Álvaro Cunhal, Otelo Saraiva de Carvalho, Samora Machel ou Catarina Eufémia.
As UCP contribuíram para o aumento da superfície cultivada no ano agrícola de 1975/76 e, consecutivamente, aumentar a produtividade da agricultura, correspondendo deste modo à convicção dos que defenderam a sua criação.
Com o pedido de demissão do Eng.º Lopes Cardoso de ministro da Agricultura, entra, para ocupar a pasta, António Barreto, que veio marcar politicamente esta questão, visando a transformação das estruturas agrárias através da apresentação de uma proposta de lei, que viria a ficar conhecida como “Lei Barreto”, a qual foi aprovada na generalidade com os votos a favor do PS e do PPD/PSD, apesar dos votos contra do CDS e do combate da lei pelo PCP e UDP desde a sua elaboração.
Contudo, e mesmo com os excessos cometidos, o que acaba por ser natural nas revoluções, a Reforma Agrária enquanto esteve em vigor, revestiu-se de extrema importância, pois permitiu os aumentos da área cultivada e da produção, bem como o melhoramento das condições de vida dos assalariados, e o crédito agrícola de emergência foi uma boa medida criada, de maneira a possibilitar a resolução de alguns problemas como a falta de dinheiro para pagar aos trabalhadores.
No preâmbulo da Constituição de 76, fazia-se referência à Reforma Agrária como “um dos instrumentos fundamentais para a construção da sociedade socialista”, na tentativa de melhorar a “situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores”, de forma a criarem-se “as condições necessárias para atingir a igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura”, em relação aos trabalhadores de outros sectores, não esquecendo as infra-estruturas, e os meios humanos, técnicos e financeiros.
Ao longo das revisões constitucionais o título “Reforma Agrária” foi sendo modificado, e na Revisão Constitucional (RC) de 1982 passou a designar-se “Política Agrícola e Reforma Agrária”, e com o declínio da Reforma Agrária a acentuar-se cada vez mais com o passar dos anos, o termo foi mesmo suprimido na RC de 1989.
Em 1986, Portugal entra na CEE, e a Reforma Agrária tem praticamente o seu terminus no que concerne à regência da política agrícola nacional, passando a agricultura portuguesa a orientar-se segundo os modelos europeus da Política Agrícola Comum (PAC).
As ocupações de terras, as nacionalizações, as expropriações, e todos os outros factores, fizeram da Reforma Agrária um fenómeno político de extrema expressão histórica. Por isso, ainda muito há a investigar e estudar sobre o que considero um dos grandes temas da nossa História, e a apresentação do Centro de Documentação da Reforma Agrária, no dia 29 de Julho deste ano, em Montemor-o-Novo, durante as Comemorações dos 25 Anos deste acontecimento histórico, poderá contribuir para que a investigação prossiga dando continuidade aos projectos iniciados pelo Centro de Estudos de Economia Agrária (Fundação Calouste Gulbenkian), e pelo Gabinete de Estudos Rurais da Faculdade de Ciências Humanas (Universidade Católica).
Talvez seja agora, a altura ideal para começar a elaborar algumas teses mais fidedignas sobre a Reforma Agrária, dado o passar dos anos sobre a questão que revolucionou os campos em Portugal, e principalmente do Alentejo, terem distanciado emocionalmente os intervenientes, os quais desta forma poderão dar um importante contributo para a investigação do tema, da qual em muito beneficiará a História e todos nós.


(Revista Cultural “Alma Alentejana”, 2000)

João Martins: o autor do primeiro golo na Taça dos Campeões


No final da década de 40, começou a jogar futebol no Sporting um jovem alto, elegante, no modo de actuar em campo, e sempre muito bem penteado, de seu nome: João Martins.
Nasceu em Sines no dia 3 de Setembro de 1927, e decorria o ano de 1946 quando foi trazido por Alfredo Trindade - o célebre ciclista que rivalizou nas estradas portuguesas, ao longo de várias edições da Volta a Portugal em Bicicleta, com o benfiquista José Maria Nicolau - para o Sporting, mas como nessa altura o futebol português vivia o fulgor dos "Cinco Violinos", João Martins, modestamente, pediu desculpa ao amigo e disse-lhe que iria treinar à experiência na CUF, onde até poderia encontrar trabalho como operário fabril.
Mas um dia, António Abrantes Mendes, que pertencia à equipa técnica de Cândido de Oliveira, ficou encantado com os dotes futebolísticos de Martins e chamou-o para o Sporting. Martins recebeu 100 escudos no primeiro dia de "leão", para gastar como quisesse, e 400 escudos mensais.

Um título retirado ao Belenenses

Embora tenha começado a alinhar nos "onzes" do Sporting no final da década de 40, é no início dos anos 50 que João Martins se impôs no Sporting.
A 24 de Abril de 1955, o Belenenses necessitava de vencer para se tornar campeão nacional. Se não o conseguisse seria o Benfica a fazer a festa do título. A 4 minutos do término do desafio o Belenenses vencia por 2 a 1, mas Martins numa avançada até à baliza contrária que, rezam as crónicas da época, parecia inofensiva, marcou o golo do empate. No final, Martins aproximou-se do belenense Carlos Silva, pediu desculpas e chorou com ele, emocionado e triste pelo seu golo ter acabado com a festa que já se fazia nas hostes da equipa da Cruz de Cristo.



Um golo que ficou na história

No mesmo ano, Martins também marcaria com as letras da história um outro golo. Estávamos a 4 de Setembro de 1955 quando estreou no Estádio Nacional a mais importante prova europeia de futebol para clubes - a Taça dos Clubes Campeões Europeus. O jogo foi entre o Sporting e o Partizan de Belgrado. No final um empate a três bolas, tendo sido o primeiro tento do jogo da autoria do sineense Martins.

Jogador disciplinado que...até à baliza jogou!

Possuidor de um bom pé esquerdo e veia goleadora, era acima de tudo um jogador que praticava um futebol com "fair-play", não se registando uma única admoestação ao longo de 13 anos com a camisola verde e branca.
João Martins evidenciava um eclectismo dentro do campo e justifica-se com as diversas posições que ocupou na Selecção "AA": avançado-centro, extremo-direito e extremo-esquerdo. E no Sporting até guarda-redes foi por duas vezes. A primeira, em

1950, substituindo Azevedo que fora atingido na cabeça, num jogo com o Olhanense. A segunda, em Marvila, e logo a partir dos 10 minutos, ocupando os postes por incapacidade de Tormenta, após este ter sido pontapeado por um adversário, sem sofrer um único golo.
Na sua festa de despedida enquanto futebolista, a 13 de Novembro de 1959, Ricardo Ornelas referiu que "João Martins não foi considerado um génio do futebol. Talvez antes assim. Contentou-se, sempre, em ter, pura e simplesmente, o seu génio. Mas não serviu o jogo em menor escala, por essa razão, porque o seu génio, afinal, forjou um exemplo de que João Martins pode legitimamente orgulhar-se. Foi um desportista leal - para o futebol, para a sua equipa, para os adversários, para o público - e, afinal, para si próprio."
Depois de abandonar a prática do futebol, continuou a exercer a sua actividade de operário fabril. No início dos anos 70, partiu para França, onde acabou por falecer 20 anos depois, vítima de ataque cardíaco.
João Martins, demonstrou em campo o que deve ser um desportista, evidenciando um elevado sentido de lealdade, dedicação e espírito de sacrifício. E assim, com naturalidade, apareceram pequenas estórias, dentro da história deste futebolista alentejano, que ficaram gravadas para sempre nas páginas do futebol português.

CURRICULUM:

 7 Campeonatos Nacionais
 1 Taça de Portugal
 Vencedor da "Bola de Prata" para o melhor marcador do Campeonato Nacional na
época 1953/54 (31 golos)
 11 Internacionalizações pela Selecção "AA"

Fontes bibliográficas e web:

As 100 Figuras do Futebol Português, 1.ª edição, Jornal A Bola, Lisboa, 1996
Glória e Vida de Três Gigantes, 1.ª edição, Jornal A Bola, Lisboa, 1995
História de 50 Anos do Desporto Português, 1.ª edição, Jornal A Bola, Lisboa, 1994
http://www.sporting.pt/Info_BiografiaJoaoMartins_5930.asp

Foto: www.sporting.pt

A importância das quintas pedagógicas no processo de aprendizagem das crianças

Este fenómeno das quintas pedagógicas pode, pelas actividades que nelas são desenvolvidas, contribuir para o processo de aprendizagem das crianças.
Na perspectiva de Bertrand, Valois e Jutras (1998) "a educação deve orientar-se para uma nova cultura procedente de uma verdadeira consciência ecológica", como meio de transmissão de conhecimentos em torno da necessidade social de intervenção nas questões do ambiente. Defendem os autores "uma cultura da educação onde a reflexão entre o aluno e o ambiente em que vive se torna matéria para compreender e objecto de intervenções". Ainda os mesmos falam-nos numa "evolução das mentalidades" e, a propósito da importância da escola enquanto instituição social no desempenho do processo de desenvolvimento dos alunos, afirmam que é necessário uma "nova cultura pedagógica enquanto solução para os problemas da educação e para os problemas da sociedade."
Segundo Trovão do Rosário "O objectivo de qualquer acção educativa deve ser definida claramente, antes de ser estudado qual o melhor método de ensino ou o melhor processo de aprendizagem." E continua afirmando que "deverá ser o objectivo conhecido quer de quem ensina quer de quem aprende."
Ainda na perspectiva do mesmo autor cabe às gerações vindouras "criar condições para que estes sejam substituídos por outros como, não menos importante, devem criar um amplo espaço de disponibilidade onde, em cada dia, a criatividade, a imaginação, a descoberta, possam germinar. Espaço que deverá ser, antes de tudo, um espaço que estimule a liberdade e no qual as novas gerações possam conscientes e responsavelmente fazer as suas escolhas."
O papel do educador passa, então, pelo fornecimento de "meios para que este possa compreender as ideias dos outros e para que ao mesmo tempo tenha a possibilidade de criar as suas próprias ideias." A missão da educação é fazer nascer "as dimensões do homem."
Na opinião de João Mosca "poucas são as abordagens globais que consideram o ambiente como parte integrante do desenvolvimento, dos modelos económicos e sociais, da vida, no quadro de aproximação interdisciplinar e sistémica."
Segundo o mesmo autor "a defesa do ambiente faz parte dos processos de ensino/aprendizagem social. Estas atitudes, além de constituírem comportamentos positivos, revelam comportamentos cívicos apreciados pela comunidade.
Numa sociedade que vive num contexto de crescente globalização começa a ser conduzida para um "grau de homogeneização macrossocial dos gostos, do consumo, da cultura, dos hábitos de vida, da maneira de ver o mundo" que torna importante a criação de espaços pedagógicos que sensibilizem as crianças, favoravelmente, para a preservação do ambiente, a partir das atitudes individuais e colectivas.
Deste modo, a educação cívica e ambiental responsabiliza os cidadãos para a contribuição no aprofundamento de conhecimentos em relação aos aspectos ambientais."
A educação ambiental é "um processo integrado de aprendizagem das relações dos indivíduos e dos grupos sociais com o seu ambiente, quer seja natural ou construído, independentemente da importância relativa que cada um adquira no conjunto; um ensino baseado na experiência e no real que deve usar a totalidade dos recursos, incluindo os naturais, a escola e tudo o que o rodeia como se se tratasse de um laboratório vivo, orientando as aprendizagens para o desenvolvimento de processos que assegurem a sobrevivência qualitativa da nossa espécie; uma metodologia activa, baseada em aspectos pluridisciplinares que ligam cada tema, vocacionada para a formação de cidadãos responsáveis, conscientes e participativos na problemática ambiental; a via para potenciar a necessidade de criar um novo sistema de valores, uma ética ambiental aceite pela generalidade das nações."
No seguimento da mesma óptica do referido autor "a primeira etapa necessária para a introdução da educação ambiental no processo educativo é a determinação de uma estratégia que permita desenvolver um trabalho com toda a comunidade educativa para apresentar as questões de ambiente."
No ensino básico devem ser desenvolvidas acções de sensibilização ambiental no próximo do meio, de forma a desenvolver o espírito analítico, numa consciencialização das relações com a comunidade, proporcionando a aquisição de novas capacidades, através de uma intervenção responsável e construtiva do ambiente."
Transpondo estas reflexões para a contextualização deste capítulo, segundo a UNESCO e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, a educação é um processo que não cessa nunca, se não vejamos a seguinte afirmação:
"A educação relativa ao ambiente é concebida como um processo permanente no qual os indivíduos e a colectividade tomam consciência do seu ambiente e adquirem os conhecimentos, os valores, as competências, a experiência e também a vontade que lhes permitirão agir individual e colectivamente, para resolver os problemas actuais e futuros do ambiente".
Então, temos a ecologia como uma perspectiva da educação a partir de uma escola integrada no meio, de maneira a que as dificuldades habituais sejam um os catalisadores da formação dos indivíduos.
Segundo Bertrand, a educação da ecologia deve ser crítica, orientada pelos seguintes princípios educativos: "o autodesenvolvimento da pessoa é função e parte empreendedora da evolução do seu meio, porque ambos pertencem à mesma realidade; a pessoa utiliza, quase simultaneamente, diversas maneiras de interpretar e de conhecer a realidade; a pessoa pode modificar o macroproblema ecológico participando na invenção de novas comunidades mais respeitadoras da vida sob todos os aspectos."
Assim, estamos perante uma filosofia da ecoeducação numa na perspectiva interdisciplinar, incidindo num contexto social e cultural do conhecimento.
Na mesma linha de reflexão Brow e Campione afirmam que nas aulas os alunos "actuam como investigadores responsáveis, em certa medida, da definição das suas próprias competências"
Ora, a ecoeducação enquanto componente "reúne responsabilidade individual e partilha comunitária do saber, dos conhecimentos científicos, do pensamento, do imaginário e da intervenção ecológica".
Segundo Fausto Cruz "o objectivo principal da ecoeducação deixa de ser a aquisição, quer ela seja interdisciplinar e sistémica do conhecimento científico passando a ser a interpretação crítica do meio, isto é, uma pedagogia das práticas culturais."
Para exprimir melhor estas reflexões Sauvé diz que "a educação relativa ao ambiente é compreendida aqui como um movimento educacional que elogia o desenvolvimento de uma pedagogia específica, caracterizada pela semelhança de vários princípios pedagógicos diferentes dos da pedagogia dita tradicional: entre outros, a aproximação global e sistémica da realidade, a interdisciplinaridade pedagógica, a abertura da escola sobre o meio, o recurso à tentativa de resolução de problemas reais, a implicação activa do aprendiz no processo de aprendizagem, a aproximação cooperativa da aprendizagem."
Ao fazermos um enquadramento destes pensamentos mais abrangentes com a especificidade das quintas pedagógicas notamos que as diferentes actividades propostas pelas quintas pedagógicas, na opinião de António Maia "promovem um adequado processo de desenvolvimento, estimulam a curiosidade, a criatividade, a capacidade de auto-organização e a iniciativa; no contacto directo com a natureza experimentando e entendendo as suas transformações integram a noção de ciclos de vida; introduzem temáticas e experiências de aprendizagem activas e estimulantes para os processos de socialização mais elementares tais como a noção de Eu e os Outros, identificação das necessidades do outro, interajuda, amizade, modelos alternativos de identificação, relações interpessoais; permitem compreender as diferenças entre meio urbano e o meio rural; promovem a aquisição de valores relacionados com a importância da protecção do meio ambiente e dos recursos naturais."
Ainda o mesmo autor afirma "ao valorizar uma aprendizagem em contextos diversificados e estimulantes podemos contribuir para que os jovens envolvidos possam ir encontrando ao longo do seu processo de aprendizagem o prazer de viver, uma vez que o mais importante da vida não se ensina, aprende-se".
Noutra perspectiva, Ramos de Almeida, entende que as quintas pedagógicas contribuem "para trazer à superfície valores fundamentais guardados geneticamente no inconsciente colectivo", nomeadamente no que respeita aos "valores ecológicos - amor da natureza, protecção dos rios, campos e florestas; valores sociais - respeito pela vida sob todas as formas e condenação da violência; valores sanitários - protecção da saúde, repúdio da toxicodependência; valores demográficos - redução da emigração para as cidades, gosto pela vida livre ao ar livre.
Para Paula Oliveira Dias as quintas pedagógicas possibilitam "o contacto com a natureza e permitem que a criança da cidade possa vivenciar situações diferentes que irão enriquecer e contribuir para o seu desenvolvimento global" , ou seja as quintas pedagógicas permitem o funcionamento de um modelo de educação não formal, transmitindo às crianças, para além da aprendizagem do mundo rural e das tradições culturais, noções em relação à educação ambiental, sendo um espaço educativo multidisciplinar que enriquece de forma integrada o desenvolvimento da criança.














O desconhecimento do mundo rural - um problema quotidiano das urbes

Com o afastamento progressivo da população em relação ao campo, começou a surgir um desconhecimento do mundo rural. (Costa; Rodet, s.d.)
Ao ignorar-se a actividade do sector primário, leva a que muitas vezes as crianças de meios urbanos pensem que os alimentos nascem já embalados a partir das prateleiras dos supermercados. Ora, o conhecimento da terra e daquilo que ela nos dá é urgente, porque segundo as palavras do Prof. Pierre Delbert, da Academia de Medicina de França: “Nenhuma actividade humana, nem mesmo a medicina tem tanta importância para a saúde como a agricultura”
Na medida em que o fosso que separa as populações das suas origens rurais parece acentuar-se, surge-nos a reflexão de que: "dependemos da terra para a nossa sobrevivência; é a agricultura que sustenta a actividade e conquistas da nossa civilização moderna. É, pois, uma actividade vital e com repercussões globais: no ambiente, nas plantas, nos animais, no homem.
No entender de Távora a articulação das actividades urbanas com as actividades rurais, acompanhada de uma nova ocupação do espaço, como via possível para um futuro melhor, pode-se verificar na citação seguinte: "Hoje, o antagonismo cidade-campo assumiu a forma colossal de um antagonismo entre as sociedades humanas e o planeta que lhes serve de habitat, e a cuja superação já se não presta a velha ideologia cientista da «dominação da natureza». Encarar a relação da espécie humana com a natureza em termos de colaboração e não de dominação implica uma revolução mental de proporções históricas (como, noutro sentido, foi o Renascimento). Mas implica igualmente enormes transformações no viver quotidiano concreto das sociedades, transformações essas que se apresentam bloqueadas por causas díspares mas convergentes."
Os profissionais educativos, ao depararem-se com estas necessidades dos seus alunos em relação ao conhecimento do mundo rural começam a levar as crianças de meio urbano a visitas de estudo às pequenas hortas existentes nas proximidades das suas urbes.
Conscientes desta realidade os agentes da educação em conjunto com os órgãos de poder local começaram a construir quintas pedagógicas, por entenderem que estes espaços educativos são fundamentais para recuperar trabalhos, gestos e vivências da prática da agricultura.
As quintas pedagógicas podem funcionar como um dos veículos de sucesso de desmistificação de algumas dúvidas existenciais das crianças, a par de outras fontes de informação mais comuns.
Num estudo promovido pelo Conselho Europeu de Jovens Agricultores (CEJA) em 1999, duas em três crianças referem a escola como fonte preferencial para recolher a sua informação, e o outro terço menciona os pais e a televisão. O desconhecimento em relação ao mundo rural é maior nos centros urbanos, onde as crianças visitam mais frequentemente centros comerciais, supermercados e parques infantis.
O mesmo estudo revela que esta necessidade de conhecer o mundo rural é generalizado nas crianças em idade escolar básica dos Estados-membros. Podemos retirar que as crianças da União Europeia (UE) associam a imagem do agricultor a um “avô” muito ocupado. Mas não ficam por aqui: 78% consideram-no um amigo, 72% acham-no generoso e 65% muito velho. Outros, ainda, acrescentam a qualificação como sendo "muito pobre". Para as crianças portuguesas o perfil é idêntico, mas aos qualitativos citados pela esmagadora maioria da pequenada da UE juntam-lhe outro: o agricultor é, para 74% um homem pobre. Estes são alguns dos aspectos mais evidenciados pelas crianças europeias num estudo aplicado a 2400 crianças.
No imaginário dos meninos dos Quinze, com idades compreendidas entre os 9 e os 10 anos, é ponto assente a existência de animais nas quintas. Neste particular, a vaca é conhecida por 84% dos inquiridos, enquanto que o porco apenas é reconhecido por 63%, o cavalo por 55%, o carneiro por 49% e a galinha por 42%. No que se refere à classificação dos animais, note-se o seguinte resultado proveniente desta investigação: 38% consideram o porco como um animal herbívoro e 80% dizem que o leite vem das cabras e carneiros.
Mais difícil é responderem correctamente quanto à origem dos produtos e subprodutos agrícolas. Mais de um quarto das crianças afirmam sem receios que o algodão “vem do carneiro” e 11% estiveram perto da resposta certa ao dizer que o algodão “vem de uma árvore”. Apenas 25% acertaram: “O algodão vem de um arbusto”. Em Portugal apenas 20% responderam correctamente e na Irlanda e Inglaterra o número desceu para 10%. A proveniência do açúcar e da farinha não foge à regra. Metade dos inquiridos não sabe de onde vem. Mas o cenário melhora para as crianças portuguesas, 50% identificam a sua origem com a cana-de-açúcar, para as restantes o desconhecimento permanece.
Quanto às condições necessárias para o desenvolvimento das plantas, as crianças mostram conhecer quais os elementos fundamentais para que tal processo se desencadeie, respondendo que são a água, a luz e a terra. O uso de pesticidas, insecticidas e herbicidas apenas faz parte do conhecimento de 4% do total.
Às respostas das crianças da UE não é indiferente a maior ou menor amplitude do sector agrícola de cada país e talvez por isso as crianças portuguesas não traduzam um desconhecimento total em relação ao mundo rural.
Apesar de tudo, os portugueses estão entre os que demonstram maior conhecimento das coisas do campo.
Do estudo pode também concluir-se que as crianças portuguesas, espanholas, irlandesas são as que têm mais ligação com o mundo agrícola, além de demonstrarem um maior entusiasmo por esta actividade. As que menos visitam quintas são as italianas e as alemãs.
O estudo revela também que 78% das crianças já visitaram uma quinta, tendo 90% gostado muito. Do universo das crianças portuguesas entre os nove e os 10 anos que responderam ao inquérito (mais de 200), 28% nunca foram a uma quinta nem conhecem a realidade agrícola.
No que refere à actividade agrícola, as crianças não hesitam em responder que esta actividade dá emprego a muita gente no campo e que respeita o ambiente. Mas não estão nos seus horizontes uma profissão vocacionada para a agricultura.
Ao encontro da solução deste problema está em funcionamento desde 1996, a Quinta Pedagógica dos Olivais, em Lisboa, havendo nesta diversos animais, uma horta e um programa variado centrado na aprendizagem, onde os visitantes podem confeccionar alimentos do nosso dia-a-dia como o pão, o queijo fresco e as doçarias.
Outro espaço existente no nosso país é a Quinta Pedagógica “Cantar de Galo” situada em Coruche na Herdade da Cascavel, a qual abriu as suas portas ao público em 1995, apostando diariamente em temas diferentes.
No Jardim Zoológico de Lisboa, funciona, também, a "Quintinha" pequeno espaço pedagógico que procura mostrar o cultivo de espécies vegetais e animais do campestres.
Existem ainda outras valências ao nível nacional como a Herdade das Parchanas situada no concelho de Alcácer do Sal, direccionada para a vertente de escola ambiental, e, presentemente, existem outras quintas pedagógicas em fase de implementação em diversos pontos do país.
Num momento de amplo desenvolvimento das quintas pedagógicas em Portugal foram dados os primeiros passos para a criação de uma Associação Nacional de Quintas Pedagógicas, a fim de reforçar a implementação destes espaços no nosso país.
Os projectos da natureza das quintas pedagógicas servem de apoio à formação das crianças, tendo como objectivo a transmissão da imagem do mundo rural no meio urbano, representando uma compreensão das relações entre o humano e o natural, ao mesmo tempo que estabelecem a ligação do que é intervenção humana e o que é o meio natural.
Num Seminário sobre Agricultura Biológica, extraímos algumas opiniões e afirmações que são importantes trazer para este trabalho, nomeadamente, no tocante à educação ambiental e ao estudo das quintas pedagógicas.
A necessidade de uma educação ambiental "está relacionada com questões de ordem ética, precisamente porque temos responsabilidades para com as novas gerações, levando até estes o entendimento de que as escolhas que se fazem no dia-a-dia torna-nos participantes de um todo e co-responsáveis dos respectivos impactes ambientais e sociais".
Outro autor reflecte sobre três aspectos importantes da agricultura, em particular o equilíbrio alimentar e comercial, o equilíbrio social e o equilíbrio ecológico. Ainda o referido autor afirma que: "a agricultura tem o privilégio do contacto directo com animais, plantas e toda a natureza em geral. São imensas as coisas que se podem aprender e por isso têm feito enorme sucesso por essa Europa fora e também em Portugal as quintas pedagógicas, onde as pessoas podem aprender, tocar e até experimentar tratar de animais e plantas".
As quintas pedagógicas são espaços abertos, o que vai ao encontro de pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais, numa multiplicidade de motivações e interesses cujo elo de ligação é o fascínio, desencadeando a nostalgia que a ruralidade e o ambiente rural cria na alma do citadino. Possibilitam o reviver ou o contacto com o mundo rural, no qual se podem observar e praticar os afazeres da lavoura, o amanho da terra e o seu cultivo, o tratamento das hortas, actividades pecuárias, visitas aos animais, cozinhas tradicionais com padaria, queijaria e doçaria, oficinas de artesanato, ofícios, clubes de observação, laboratórios para experiências e ludotecas.
A agricultura não é só a plantação, crescimento e colheita dos produtos desse mesmo trabalho. É algo mais, como a realização do ser contribuindo deste modo para o conhecimento humano. A prática agrícola é factor de libertação espiritual, caminho original de liberdade, fonte de vida, alimento do corpo e da alma. Mas este processo é difícil e longo, requerendo muita atenção e concentração ao que nos rodeia. Existencialmente há uma ligação ancestral que liga o homem à terra. Numa época de rápido avanço tecnológico, a agricultura é, talvez, o único veículo que nos conduz no caminho da vida de uma maneira lenta e tranquila, opostamente à generalidade que teima na vida comum.






















Contributo da ciência nos domínios pessoal, social e cultural

Segundo Suchodolski (1978) podemos entender que a educação intelectual não forma somente o espírito, mas também o suporte desse espírito que é o homem. Na educação deve-se atribuir importância a tudo o que faz promover o interesse e as necessidades no que respeita a matéria de conhecimentos e inquietações como vontade de perceber a verdade, ou seja desenvolver um processo de individualidade humana que torne a zona intelectual viva e dinâmica.
Desenvolver uma educação pela ciência significa que "a ciência se torna um elemento formativo de toda a personalidade do homem e não só a habilidade do seu espírito para assimilar e aplicar-se à ciência", na qual nos devemos referir às diferentes facetas da vida humana. O seu exercício desperta a curiosidade, suscitando interesse pelos diferentes problemas, exigindo um raciocínio sistemático, numa direcção de acção mediante a previsão científica, estabelecendo os princípios de escolha e as decisões em apoio de uma fundamentação objectiva. Numa linguagem de psicologia tradicional, "a educação pela ciência deve formar não só as faculdades intelectuais, como ainda a vontade e também os sentimentos", nas quais enquadramos a imaginação como elemento específico da vida humana, onde a "liberdade visionária se alia ao pensamento disciplinado e crítico."
Como a ciência educa o homem num todo, quer nas suas características pessoais interiores quer no seu papel social, alcança desta maneira uma perspectiva mais avançada longe da educação intelectual tradicional, "que tinha o carácter de actividade orientada exclusivamente para um delimitado domínio da vida, tratado em separado, e que na prática só era importante para um restrito domínio da vida social". Este alargamento e aprofundamento da educação pela ciência é uma importante directiva na reorganização da educação tradicional transformando-a numa educação para o futuro. E neste sentido podemos verificar através de vários autores como Piaget (1978), Petrasch (1996), Fischer (1994) e Goodman (1978) que é possível desenvolver conhecimento na criança a vários níveis, nomeadamente através das dimensões pessoal, social e cultural.
Transpondo esta fundamentação para o contexto das quintas pedagógicas ao nível da dimensão pessoal a criança vê nela um espaço que é um conjunto de lugares exteriores a si, ao seu corpo, nos quais desenvolve actividades e a sua maneira de ser. A criança ao mexer na terra, familiariza-se com ela, sente-se responsável pela sua preservação, desenvolvendo em si uma atitude crítica e, deste modo, cresce com este processo consciencial (Petrash, 1996).
Citando este autor , e referindo-se esta autora às crianças, "o facto de saberem que as coisas têm um ciclo e se repetem dá-lhes um sentimento de segurança e bem-estar."
Estamos, pois, perante uma dimensão pessoal, que podemos fundamentar nos trabalhos desenvolvidos por Piaget (1978) que mostraram como a criança organiza progressivamente o espaço, como o constrói em relação com as possibilidades ligadas aos diversos estádios de desenvolvimento.
A escola para além de ensinar as disciplinas deve contribuir para o domínio de um conjunto de capacidades processuais que envolvem aprender a pensar, a analisar criticamente, a relacionar-se com os outros, a investir no desenvolvimento de projectos, a questionar e a ter iniciativa (Suchodolski, 1978).
Estas capacidades são instrumentais para a qualidade de vida dos jovens em diversos domínios existenciais: o trabalho, o lazer, a família, as relações de amizade e a comunidade (Goodman, 1978).
Mas, surgem outras dimensões que não podemos descurar, como por exemplo a dimensão social. É preciso desenvolver uma interiorização de regras, as quais definem uma maneira de ser e de viver numa sociedade. Um espaço, a sua organização, o seu uso social, são atravessados por comportamentos e actividades ligados aos sistemas e valores vigentes numa sociedade" (Fischer, 1994) . E, ainda, segundo palavras do mesmo autor "a dimensão social do espaço reveste-se de características próprias; em primeiro lugar ela revela, a existência de uma relação entre organização do espaço e comportamento social, assim como revela que certos efeitos sociais estão ligados ao arranjo dos espaços . Pelas afirmações deste autor podemos afirmar que o espaço social é o conjunto de comportamentos e das relações que se desenvolvem num dado território e que caracterizam as diversas modalidades de acções no interior de uma organização definida do espaço. Pode, pois, ser considerado como o sistema de repartições e de inscrições das actividades e das relações obedecendo às normas que presidem à estruturação de uma sociedade.
Na dimensão cultural o indivíduo afirma-se parte integrante de um todo que ele sente, também, como sendo seu, como forma de condição humana, extraída do processo de instrução, veículo de adaptação ao meio físico e à cultura da sociedade onde vive.
Como dimensão formadora do indivíduo a cultura designa um conjunto de regras interiorizadas, de saberes e de práticas partilhadas pelos membros do grupo, ao encontro de uma realidade comum, a qual advém de um conjunto de costumes que constituem a herança social de uma comunidade, assegurando a integração dos indivíduos numa colectividade (Goodman, 1978).









Gente que Dança

Um dia passávamos pelos corredores de um dos edifícios do Instituto Piaget e lemos num cartaz qualquer coisa como isto: Angola, Kosovo e Sem-Terra – É Tudo a Mesma Guerra. Aquela mensagem alertou-nos para os problemas que se vivem no nosso planeta. Enquanto pensávamos, um pouco mais à frente, encontrámos outro cartaz com o mesmo tipo de mensagem. Mas o que seria aquilo?
Em conversa com colegas chegámos muitas vezes a questionar-nos sobre aqueles “misteriosos” cartazes. Uma coisa tínhamos certeza: a mensagem tinha sido passada. Seja qual for o problema que assole o mundo – é tudo a mesma guerra.
Passado algum tempo, uma amiga nossa quando andava a afixar cartazes com o anúncio de um espectáculo confessou-nos que a “mensagem” não era mais que para chamar a atenção da população escolar para o título do espectáculo a apresentar pelo Grupo “Gente que Dança”.
Ficámos seduzidos pela iniciativa e no dia da estreia lá estávamos nós, sentados numa das cadeiras da Aula Magna para assistirmos ao trabalho dos colegas.
Quem teve a oportunidade de ver a dança daquele Grupo, certamente o recordará para toda a vida, pois são momentos de arte, que nos libertam e ao mesmo tempo nos sensibilizam para a vida e principalmente para a mensagem que nos transmitiram como um alerta para a violência, os genocídios, a xenofobia, o racismo ou a pobreza.
Ainda hoje, quando entramos na Aula Magna sinto os espectadores de pé aplaudindo ininterruptamente os bailarinos que durante cerca de uma hora e meia nos permitiram conviver familiarmente com a magia, a beleza e o fascínio.
De certo que todos os elementos que constituem o Grupo “Gente que Dança” se sentem orgulhosos por fazerem parte de um projecto que é de louvar, pela capacidade evidenciada no seu todo, mas também pela raridade de “loucuras” como esta.
Para finalizar queremos felicitar os colegas do Grupo “Gente que Dança”, e em particular o Prof. Francislei Moreira pelo brilhante trabalho desenvolvido.
É nosso desejo sincero que o Grupo “Gente que Dança” continue “a confiar nas loucuras de um sonhador que em vez de moinhos vê corpos criando coisas bonitas para os outros verem”
( F. Moreira ).


(Pégaso, 2000)

Luís Pinto: jovem espírito de campeão

Ao fazermos o balanço da época de atletismo no ano 2002 reparamos que sobressai o nome de um jovem alentejano com espírito de campeão. Seu nome: Luís Pinto.
Nascido na cidade de Moura em 1983, começa cedo a ajudar os seus pais nas lides do campo, ao mesmo tempo que conjuga a actividade escolar com a desportiva. Fá-lo com esforço, capacidade que transporta para o atletismo. Inicia-se no desporto escolar, passando depois para uma das mais importantes colectividades de Moura: o Centro Recreativo Amadores de Música que popularmente são alcunhados de "Os Leões".
Foi por este clube que começou a dar nas vistas conquistando, por exemplo, os títulos de Campeão do Alentejo de Corta-Mato na época 98/99; de Vice-Campeão Nacional Juvenil em 2000 metros obstáculos na mesma época e Campeão do Alentejo de 1500 metros em absolutos na época seguinte.
Os seus resultados por todo o Alentejo fizeram com que esta região já fosse pequena para a sua dimensão. O seu valor tinha que estar visível em palcos de outros níveis competitivos.
O Sporting toma conhecimento das marcas obtidas pelo jovem atleta, mas é o Maratona que numa manhã de Sábado, em pleno Estádio Nacional, responde positivamente a Luís Pinto, ficando este vinculado ao clube de Oeiras.
A partir desse dia a carreira desportiva do jovem atleta alentejano tem vindo a somar êxitos atrás de êxitos e para que o confirmemos atentamos nos seguintes resultados: Campeão Nacional de Juniores 2001/02 nos 1500 metros; terceiro no Nacional de Corta-Mato de Juniores 2001/02 e Medalha de Prata por equipas no Europeu de Corta-Mato de Juniores em Thun (Suíça) no ano 2001.
Mas não é só a nível desportivo que Luís Pinto alcança metas, pois em termos académicos ingressou, recentemente, no Curso de Ciências do Desporto da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, com o objectivo de desenvolver no futuro outra actividade para além do atletismo.
Deste modo, o mourense Luís Pinto afirma que o Alentejo é região de bons atletas, continuando a escrever a história do atletismo português onde constam já os nomes do bejense Fernando Mamede, do alfundense Manuel Matias e dos barranquenhos Paulo Guerra e Manuel Damião.
O tempo ajudará a confirmar estas palavras. Assim seja!
Força Luís!

As experiências de Quintas Pedagógicas e a Educação pela Arte: um projecto para o futuro

As quintas pedagógicas são actualmente uma importante valência promotora do conhecimento do mundo rural e espaço de desenvolvimento das relações intergeracionais.
Com o seu surgimento são recuperadas as vivências agrícolas, os seus ciclos e as tradições, ao mesmo tempo que permite o apoio à formação de diversos públicos com o objectivo de transmitir a imagem do mundo rural como factor de compreensão das relações entre o humano e o natural.
Este artigo procura apresentar o resultado de alguns estudos recentes sobre o contributo das quintas pedagógicas nos domínios pessoal, social e cultural, bem como a multidisciplinaridade que estes espaços socioeducativos promovem numa perspectiva da educação pela arte, assente nas diversas plataformas de intervenção criativa.
Ao verificar-se que as crianças residentes nos meios urbanos evidenciavam desconhecimento em relação ao mundo rural, nomeadamente à actividade agrícola nele desenvolvida, começaram a surgir nas cidades e em zonas predominantemente rurais algumas quintas pedagógicas. A sua implementação veio permitir o apoio à formação das crianças, tendo como objectivo a transmissão da imagem do mundo rural no meio urbano, como factor de compreensão das relações entre o humano e o natural, complementando desta forma a escola tradicional.
Como podemos verificar, presentemente, há um crescente movimento com a preocupação pedagógica de solucionar este problema actual, consciente da necessidade de intervenção num domínio tão particular como o da implementação do mundo rural no seio das cidades, de forma a possibilitar às crianças citadinas o contacto e conhecimento das suas realidades.
Num estudo promovido pelo Conselho Europeu de Jovens Agricultores (CEJA) em 1999, podemos verificar que o desconhecimento em relação ao mundo rural é maior nos centros urbanos, onde as crianças visitam mais frequentemente centros comerciais, supermercados e parques infantis. Precisamente, o mesmo estudo revela que esta necessidade de conhecer o mundo rural é generalizado nas crianças dos Estados-membros em idade escolar básica.
Mas as quintas pedagógicas, não são espaços exclusivos das crianças, pois vão ao encontro de pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais, numa multiplicidade de motivações e interesses cujo elo de ligação é o fascínio, desencadeando a nostalgia que a ruralidade e o ambiente rural cria na alma do citadino, possibilitando o reviver ou o contacto com o mundo rural.
Segundo Suchodolski (1978) na educação deve-se atribuir importância a tudo o que faz promover o interesse e as necessidades no que respeita a matéria de conhecimentos e inquietações como vontade de perceber a verdade, ou seja desenvolver um processo de individualidade humana que torne a zona intelectual viva e dinâmica.
Transpondo esta fundamentação para o contexto das quintas pedagógicas ao nível da dimensão pessoal o indivíduo vê nela um espaço que é um conjunto de lugares exteriores a si, ao seu corpo, nos quais desenvolve actividades e a sua maneira de ser (Petrash, 1996).
Mas, surgem outras dimensões que não podemos descurar, como por exemplo a dimensão social. É preciso desenvolver uma interiorização de regras, as quais definem uma maneira de ser e de viver numa sociedade. Um espaço, a sua organização, o seu uso social, são atravessados por comportamentos e actividades ligados aos sistemas e valores vigentes numa sociedade" (Fischer, 1994).
Na dimensão cultural o indivíduo afirma-se parte integrante de um todo que ele sente, também, como sendo seu, como forma de condição humana, extraída do processo de instrução, veículo de adaptação ao meio físico e à cultura da sociedade onde vive. Como dimensão formadora do indivíduo a cultura designa um conjunto de regras interiorizadas, de saberes e de práticas partilhadas pelos membros do grupo, ao encontro de uma realidade comum, a qual advém de um conjunto de costumes que constituem a herança social de uma comunidade, assegurando a integração dos indivíduos numa colectividade (Goodman, 1978).
Na perspectiva de Bertrand, Valois e Jutras (1998) "a educação deve orientar-se para uma nova cultura procedente de uma verdadeira consciência ecológica", como meio de transmissão de conhecimentos em torno da necessidade social de intervenção nas questões do ambiente. Defendem os autores "uma cultura da educação onde a reflexão entre o aluno e o ambiente em que vive se torna matéria para compreender e objecto de intervenções".
Ora, é precisamente neste capítulo de intervenções que pode e deve entrar a educação pela arte, pois no entender de Leontiev "a arte tem algo a ver com o desenvolvimento da personalidade, temos de aceitar que isto só pode ocorrer em diálogo, na interacção de dois mundos com significado". E o mesmo autor afirma ainda que "ao desenvolver contactos com a arte, um indivíduo torna as suas relações com o mundo mais flexíveis, significativas e orientadas para o futuro, tornando-se mais adaptadas, no sentido mais lato do termo".
Ainda nesta perspectiva afirma Suchodolski "O mundo da arte é o mundo humano concebido de outra maneira. Não se opõe aos homens enquanto instrumento material e exterior da sua força, é idêntico a eles enquanto projecção da sua vida interior".
A coexistência entre a agricultura e a criação desencadeia um processo de desenvolvimento do Homem, pois segundo Fukuoka "a agricultura não é só a plantação, crescimento e colheita dos produtos desse mesmo trabalho. É algo mais, como a realização do ser contribuindo deste modo para o conhecimento humano. A prática agrícola é factor de libertação espiritual, caminho original de liberdade, fonte de vida, alimento do corpo e da alma. Numa época de rápido avanço tecnológico, a agricultura é, talvez, o único veículo que nos conduz no caminho da vida de uma maneira lenta e tranquila, opostamente à generalidade que teima na vida comum".
Estamos empenhados em contribuir para que as quintas pedagógicas se desenvolvam implementando este género de espaços com o objectivo de levar o campo para a cidade, porque as quintas pedagógicas pela sua complexidade permitem, a partir de si, abordagens em diversas dimensões do desenvolvimento e da aprendizagem.
Foi esta reflexão que fez com que a Alma Alentejana desenvolvesse um trabalho de pesquisa em torno das experiências das quintas pedagógicas, sendo nosso desejo criar um espaço, no concelho de Almada, constituído por um edifício tipo “monte alentejano” ligando a este a componente educativa, no sentido de proporcionar, numa perspectiva intergeracional, a vida rural e a actividade agrícola, onde esteja integrada a educação pela arte, ao mesmo tempo que se estabelecer a ligação entre conteúdos abordados nos programas escolares e a prática de actividades experimentais que facilitem a compreensão daqueles conteúdos, e se contribui para a formação de um cidadão responsável.
Como o próprio título indica, vimos reforçar o empenho de um projecto para o futuro, o qual pretende, através da criação de um espaço pedagógico para o concelho de Almada, promover a coabitação entre o mundo rural e a educação pela arte em torno do conhecimento humano e da sua consequente valorização.
Esse espaço terá que ser sempre um amplo espaço de disponibilidade onde, em cada dia, a criatividade, a imaginação, a descoberta, possam germinar. Espaço que deverá ser, antes de tudo, um espaço que estimule a liberdade.
E se a educação na sua globalidade é "um dos mais poderosos instrumentos de mudança", nas palavras de Edgar Morin, quer do ponto de vista social, económico e cultural, então caminhemos rumo à mudança.
Acreditamos consciente e convictamente que se desenvolvermos esta atitude de aprofundamento do conhecimento, fomentaremos novas perspectivas para o futuro.


Comunicação apresentada no Seminário Arte, Educação e Sociedade - Abordagens na perspectiva da Educação pela Arte, Convento dos Capuchos, 29 de Maio de 2004


REFERÊNCIAS BIBLIO E WEBGRÁFICAS:

Bertrand, Yves & Valois, Paul, & Jutras, France (1998). A Ecologia na Escola- inventar um futuro para o planeta. Lisboa: Instituto Piaget
Fischer, Gustave N. (1994). Psicologia Social do Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget
Fróis, João Pedro, et al. (2000). Educação Estética e Artística - abordagens transdisciplinares. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian
Fukuoka, Masanobu (2001). A Revolução de Uma Palha - uma introdução à agricultura selvagem. Porto: Via Óptima
Goodman, Paul et al. (1978). A Educação do Futuro. Lisboa: Bertrand
Petrash, Carol (1996). Os Tesouros da Terra Lisboa: Instituto Piaget
Pinto, Manuel et al. (2003) Cruzamento de Saberes - Aprendizagens Sustentáveis. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian
Rosário, Trovão (1999). A educação e a motricidade humana. Cadernos da Casa Humana, 1, 8-13
Suchodolski, Bogdan, et al. (1978). A Educação do Futuro. Lisboa: Bertrand
http://ceja.educagri.fr/por/ac.htm
http://www.expresso.pt\à descoberta do campo.htm

Sunday, August 01, 2004

António Livramento: a arte na ponta do stick



No dia 28 de Fevereiro de 1944, nasceu na pacata aldeia alentejana de S. Manços (concelho de Évora), um menino que depois de homem feito se tornou conhecido pela sua arte de patinar e manobrar o stick. Seu nome: António José Parreira do Livramento.
Num programa gravado para a RTP a propósito das “Bodas de Ouro do Hóquei em Patins Português”, António Livramento confessa: “Quando apareci, apareci praticamente de repente. Tive uma aprendizagem dos dez aos quinze em que eu passava, sem nenhum tipo de exagero, oito horas dentro do ringue com uns patins nos pés (...).
António Livramento foi descoberto para o hóquei em patins por António Raio e aos 16 anos conquistava o primeiro dos seus muitos títulos, sagrando-se Campeão Europeu de Juniores. No ano seguinte ao serviço do Benfica conquista o primeiro dos sete Campeonatos Nacionais que haveria de vencer até 1975.
As suas excepcionais qualidades técnicas eram muito apreciadas e foram essas mesmas características que o fizeram rumar a Itália, primeiro ao Hockey Club de Monza (70-72) e depois ao Lodi (76-78), jogando nos anos intermédios no clube português do Banco Pinto & Sotto Mayor (74-75).
O ano de 1977 foi o ano do pleno, vencendo com a camisola do Sporting o Campeonato Nacional, a Taça de Portugal e a Taça dos Campeões Europeus. Nessa saudosa equipa alinhavam para além de Livramento, o guarda-redes Ramalhete e os jogadores de campo Júlio Rendeiro, Sobrinho e Chana.

Na Selecção Nacional a glória foi notória. Dos 1700 jogos que disputou cerca de 230 foram ao serviço da equipa das quinas e dos estimados 3500 golos que marcou 500 entraram na baliza nos adversários de Portugal. As principais conquistas foram três Campeonatos Mundiais (62, 68, 74), sete Campeonatos Europeus (61, 63, 65, 67, 73, 75, 77). Despediu-se da Selecção Nacional no Mundial de 78, na Argentina, onde foi aplaudido de pé por 16 000 pessoas, prova do grande reconhecimento pela sua arte de jogar.
Para Júlio Rendeiro, seu companheiro de selecção e do Sporting “António Livramento foi de facto o melhor jogador, patinador exímio. Era um homem com um domínio técnico notável, era uma pessoa criativa (...) tinha garra.”; e o jornalista Gabriel Alves afirma que “a sua irreverência foi um ponto de referência para os mais novos”.

Os seus conhecimentos foram transmitidos às gerações sucessoras, e sob os seus comandos a equipa do Sporting ganhou dois Campeonatos Nacionais (83, 89) e uma Taça CERS (84); o F.C. Porto no ano de 1999 fez a “dobradinha” (Campeonato e Taça); e no cargo de seleccionador nacional sobressaem a conquista de dois títulos Mundiais (82, 93) e três Europeus (87, 92, 94),

No mesmo ano António Livramento sofre um acidente vascular cerebral e acaba por falecer no dia 7 de Junho no Hospital de S. José, em Lisboa.
A agência France Express noticiou a morte do hoquista da seguinte forma: “acaba de falecer o Pelé do hóquei em patins”, ao qual o Prof. Moniz Pereira ripostou “Não seria antes o Pelé o Livramento do futebol”, evidenciando bem o génio e a referência inapagável daquele que para muitos o stick era a continuidade do braço.
Da personalidade de Livramento evidenciava-se a frontalidade, levando-o um dia a confidenciar o segredo da sua invencibilidade:
“(...) Jogava contra o Sporting, o Benfica ou a Selecção de Espanha com a mesma alegria e a mesma aplicação que o fazia contra o Estremoz. Talvez resida nesse pormenor grande parte do êxito da minha carreira.”; desabafa ao mesmo tempo que o hóquei em patins: “Foi o grande amor da minha vida (...)”
O melhor hoquista do mundo pareceu partir com alguma amargura em relação ao seu desporto favorito, mas ninguém esquece a magia dos seus gestos com o stick e da enroladinha, arte maior somente ao alcance dos grandes mestres, a quem alguns chamaram o “poeta dos ringues”, e segundo um dos seus discípulos, Vítor Hugo: “O Livramento é mais conhecido que o próprio hóquei”.


Bibliografia e outros suportes documentais consultados:

Livros

Glória e Vida de Três Gigantes, 1.ª edição, Jornal A Bola, Lisboa, 1995
História de 50 Anos do Desporto Português, 1.ª edição, Jornal A Bola, Lisboa, 1994
O Século XX do Desporto, 1.ª edição, Jornal A Bola, Lisboa, 2000

Internet

http://www.sporting.pt/Info_BiografiaAntonioLivramento_5923.asp

Audiovisuais e multimédia

Diciopédia 2001, Porto Editora, 2000 (Cd-rom)
História do Sporting Clube de Portugal - 1906-2000, RTP (Videocassete)

Foto: www.sporting.pt

Fernando Mamede: um recordista alentejano


Aos 26.12,3 minutos, Fernando Mamede já ultrapassou Carlos Lopes que ia lançado na frente da corrida. Faltam cerca de 500 metros para a meta. O público que assiste ao Meeting de Estocolmo, no Estádio Olímpico desta cidade nórdica, começa a agitar-se empolgadamente nas bancadas. O atleta recupera a alma e galopa velozmente numa última volta verdadeiramente impressionante. O esforço, rumo à glória, é notório no seu rosto. Corta a meta com 27.13,81 minutos, sinónimo de...RECORD MUNDIAL. A ovação dos espectadores mistura-se com a emoção, exteriorizada pelas lágrimas e pelos abraços entre Fernando Mamede e o Prof. Moniz Pereira. E assim, o dia 2 de Julho de 1984 ficará para sempre gravado a letras douradas nos anais da história do atletismo, do desporto internacional e consequentemente Portugal tem pela primeira vez um cidadão recordista mundial.

Fernando Mamede nasceu na freguesia urbana de Santiago Maior da cidade de Beja, no dia 1 de Novembro de 1951. Começou a sua carreira desportiva no futebol, nas camadas jovens de dois clubes de Beja, até ao dia em que saiu da sua terra natal à procura da glória na modalidade que o notabilizou - o atletismo. Conseguiu-o, sem dúvida.

Ao serviço do Sporting e da Selecção Nacional, sempre treinado pelo Prof. Moniz Pereira, protagonizou algumas das mais brilhantes páginas da história do desporto nacional, europeu e mundial, com títulos e records que o comprovam nas diferentes especialidades da modalidade, com destaque particular para a distância dos 10 000 metros.
As suas qualidades para o atletismo e para a "especialidade de recordista" começaram a despertar logo no escalão júnior através das marcas atingidas, das quais destacamos: os records nacionais nas distâncias dos 800 metros (de 1970 a 1973); nos 1000 metros (entre 1970 e 1979); 1500 metros (de 1970 a 1972); 400 metros (entre 1970 e 1971). Na estafeta 4x400 metros, em 1968, a equipa de que fazia parte obteve um record nacional que seria melhorado depois em 1970 e que se manteve inultrapassável até 1983.
Como sénior, foi recordista dos 500 metros (de 1970 a 1982); dos 1000 metros (de 1971 a 1980); da milha (desde 1976 a 1980); das duas milhas (de 1974 a 1976); dos 2000 metros (em 1974); dos 3000 metros (de 1979 a 1983); e ainda recordista absoluto dos 1500 metros (de 1971 a 1974), recuperado seis dias mais tarde e batido mais três vezes durante o ano de 1976, perdendo-o somente em Julho de 1980.

Ainda no capítulo de records, Fernando Mamede foi recordista absoluto dos 800 metros nas seguintes épocas: 1970, em Bruxelas; 1971, em Barcelona e Helsínquia; 1973, em Lisboa; e, um ano depois, em Roma, mantendo este durante 13 anos. Conseguiu também o recorde dos cinco mil metros primeiro em 1978, em Estocolmo, e depois em Lisboa, decorria o ano de 1982.
Fernando Mamede possuía também capacidades atléticas para o corta-mato, sendo campeão nacional em 1979, 1980, 1981, 1983, 1985 e 1986. Conquistou duas medalhas de bronze, uma individual e outra colectiva, ambas em Campeonatos do Mundo de Corta-Mato, a primeira em Madrid, no ano de 1981, e a segunda desta feita em Nova Iorque, mais precisamente no ano de 1984. Nesta mesma especialidade ganhou oito Taças dos Clubes Campeões Europeus em duas delas foi mesmo o primeiro a cortar a meta.
Este atleta esteve presente por três vezes no grande palco dos desportistas. Falo, obviamente, nos Jogos Olímpicos: Munique (1972), Montreal (1976) e Los Angeles (1984). Nos Jogos Olímpicos de Munique é curioso verificar o feito conseguido nos 4x400 metros, prova na qual Fernando Mamede fez o último percurso da corrida, estabelecendo o record de Portugal que perdurou até 1982.
No dia 3 de Junho deste ano, o Complexo Desportivo B da cidade de Beja passou a denominar-se Complexo Desportivo Fernando Mamede, numa justa e merecida homenagem ao consagrado atleta. Carreira Marques, presidente da autarquia, manifestou o reconhecimento de Fernando Mamede com atleta e fez votos para que "o seu exemplo frutifique entre nós". Presente também nessa homenagem esteve o então Ministro do Desporto José Lello, que realçou o facto de: "Através deles, os nossos campeões, sentimos projectada a nossa alegria e a nossa emoção".
Para o Prof. Moniz Pereira: "Fernando Mamede foi a maior máquina do atletismo (...) fez coisas soberbas e é um dos desportistas do século em Portugal". Tido como um atleta de eleição devido à sua capacidade multidisciplinar, levou o conceituado técnico, conhecido também como o "Sr. Atletismo", a sublinhar que: "Em nenhum país, nenhum outro homem foi, simultaneamente, recordista nacional dos 4x400 metros e dos 10 000 metros, nunca ninguém fez isto em provas tão diferentes e na mesma altura.

Na mesma linha de pensamento, referindo-se ainda ao percurso do atleta, Fernando Mota (presidente da Federação Portuguesa de Atletismo) frisou que: "Foi ao longo dos anos um homem que fez evoluir o atletismo português".
Fernando Mamede, como atleta mas sobretudo como homem, soube ser um exemplo para as gerações que lhe sucederam, dado o seu empenho, o qual originou sangue, suor e lágrimas, medalhas e records, sobretudo porque será eternamente exemplo para todos aqueles que abraçam a vida com garra de conquista, de vitória, de glória e de triunfo, seja no atletismo ou noutra qualquer modalidade desportiva, mas principalmente ... na vida.
Mais não podemos dizer. Só nos resta terminar com palavras de admiração e respeito.
Obrigado, Fernando Mamede.

CURRÍCULO DE FERNANDO MAMEDE

Sénior

- recordista mundial dos 10 000 metros (27.13,81, em Estocolmo a 2/7/84)- este record manteve-o entre 1984 e 1989;
- recordista europeu dos 10 000 metros (27.27,7 minutos, em Lisboa a 30/5/81; e 27.22,95, em Paris a 9/7/82) - este record foi mantido entre 1984 e 1999;
- medalha de bronze individual nos Mundiais de Corta-Mato, por Portugal, em 1981;
- medalha de bronze colectiva nos Mundiais de Corta-Mato, por Portugal, em 1984;
- 8 títulos europeus de corta-mato, por clubes (Sporting)
- recordista dos 4x400 m, 4x800 m, 4x1500 metros;
- recordista dos 500 metros, de 1970 a 1982;
- recordista dos 1000 metros de 1971 a 1980;
- recordista absoluto dos 1500 metros, de 1971 a 1974 (seis dias mais tarde recuperou o record e bateu-o mais três vezes durante o ano de 1976);
- recordista dos 2000 metros, em 1974;
- recordista da milha, de 1976 a 1980;
- recordista das duas milhas, de 1974 a 1983;
- recordista nacional dos 5000 metros (13.14,6) - melhor marca mundial do ano de 1982;
- cerca de 20 títulos nacionais (pista e corta-mato)
- presença nos Jogos Olímpicos: Munique (1972); Montreal (1976) e Los Angeles (1984);
- presença em Campeonatos do Mundo de Pista e Corta-Mato; Campeonatos da Europa de Pista e outras competições.

Júnior

- recordista na estafeta 4x400 metros, em 1968 (melhorado em 1970 e mantido até 1983);
- recordista dos 400 metros entre 1970 e 1971;
- recordista dos 800 metros, de 1970 a 1973;
- recordista nos 1000 metros (manteve o record entre 1970 e 1979);
- recordista nos 1500 metros, de 1970 a 1972.

Outros:

- Medalha de Mérito Municipal de Beja
- Medalha de Prata da Cidade de Lisboa
- Medalha de Mérito Desportivo
- Medalha de Honra ao Mérito Desportivo
- Ordem do Comendador


Bibliografia e outros suportes documentais consultados:

Livros

Vieira, J. (dir.), Portugal Século XX - Crónica em Imagens, vol. IX (1980-1990), 1.ª edição, Círculo de Leitores, Lisboa, 2000
Glória e Vida de Três Gigantes, 1.ª edição, Jornal A Bola, Lisboa, 1995
História de 50 Anos do Desporto Português, 1.ª edição, Jornal A Bola, Lisboa, 1994
O Século XX do Desporto, 1.ª edição, Jornal A Bola, Lisboa, 2000

Periódicos

Caderno Municipal da Câmara Municipal de Beja, Maio/Junho de 2001

Internet

Diário do Alentejo On-line, Ano LXIX n.º 998 (II Série) de 8 a 14 de Junho de 2000
http://www.sporting.pt/Info_BiografiaFernandoMamede_5986.asp

Audiovisuais e multimédia

As medalhas do nosso contentamento, RTP (Videocassete)
Diciopédia 2001, Porto Editora, 2000 (Cd-rom)
Gente Nossa, RTP, (Videocassete)
História do Sporting Clube de Portugal - 1906-2000, RTP (Videocassete)

Foto: www.sporting.pt

Ceifeira

Ceifeira que já foste mulher
cortando o trigo com tua foice
nas longas planícies da terra
fértil de pão e cante.
Tua voz doce e deliciosa tocava
suaves melodias
que enchiam os corações de emoção,
embalando as espigas
em teus gestos maternos.

E lá ias tu trabalhando de sol-a-sol.

Agora ceifeira,
és ferro
máquina em que o tempo
te transformou,
roubando quadros de beleza
ao campo.
Campo que já não ouve tua voz cantando
e espigas que já não são embaladas nos teus braços.

E a terra?

A terra morre de fome e sede
esperando por ti mulher ceifeira.

Algumas palavras à mulher alentejana Rosa Dias

Cara amiga Rosa Dias:

É com imenso prazer que estamos aqui todos reunidos para comemorarmos o Dia Internacional da Mulher e, ao mesmo tempo, prestar uma justa e merecida homenagem à grande mulher alentejana que é Rosa Dias.
São dedicadas a si as próximas palavras e dirigir-me-ei em meu nome pessoal e da Alma J, núcleo juvenil da associação organizadora da iniciativa.
Recordo-me que conheci a Rosa Dias num encontro de grupos corais alentejanos. Já lá vão alguns anos. Era menino. Lembro-me de vê-la em cima de um palco, com esse seu jeito encantador, dizendo palavras envolventes que me abraçavam e levavam a minha memória para a infância passada na planície, entre as searas e os rebanhos, entre os pastores e os trabalhadores rurais, entre o mais belo pôr do sol e a poesia. Reparei que à volta havia emoção, homens e mulheres comovidos pela pureza das ditas palavras ditas com amor e uma força provinda da personalidade que caracteriza os alentejanos, quer sejam nascidos na região quer criados na cultura das suas raízes.
Certamente, são estas mesmas raízes que levaram Rosa Dias a escrever: "Como posso eu renegar/O povo de que nasci" , afirmando nestes versos que as nossas origens nunca deverão ser esquecidas mas assumidas de modo a que a existência de cada um possa estar plenamente consciente com a identidade colectiva.
Rosa Dias olha o Alentejo e encontra nele a poesia, olha o homem do campo, o trabalhador, o alentejano e vê nestes a realidade da vida que não lhe proporcionou a universidade mas a dureza da agricultura. O campo assume também um universo de saberes, pois é nele que o homem alentejano cultiva o trigo, origem do pão, alimento poético dos sentimentos mais profundos de um povo, expressos no poema Povo Poeta: "Temos a arte nas mãos/Somos um povo poeta/Somos poesia em papel/Somos gente que desperta" .

A poesia de Rosa Dias é íntima, toca-nos na alma ao lê-la, ao ouvi-la e, principalmente, ao senti-la. Por tudo isto, não nos surpreendemos quando um grupo de crianças com idades compreendidas entre os nove e os dez anos, depois de escutar um poema da autora que hoje homenageamos, lhe dedique um outro com estas palavras: "Rosa/O teu nome soa com prosa/ Mas és um poema/Uma forma de vida/Uma espécie de emblema."
Mas num dia que é dedicado à Mulher e em que nós homenageamos esta mulher alentejana, não podemos deixar de referir o poema Mulher Mãe em que nos fala da luta, da esperança, da fé, da mais bela Primavera da qual nasce o fruto da paixão, do amor e da vida.
Passados alguns anos, a "Alma Alentejana" possibilitou-nos uma relação de proximidade. Naturalmente surgiu uma empatia mútua e as nossas conversas vão sempre dar à poesia. Às vezes, timidamente envio alguns poemas e outros escritos para sua casa que lidos pela sua voz assumem um corpo literário com outra dimensão, pois a capacidade expressiva de Rosa Dias tem esses efeitos sobre as palavras.
É sobre esta dimensão que assenta o sentido humanista e de causa desta mulher que faz com que a poesia escorra na sua pena, assim como as suas palavras dançam de mãos dadas à volta de um mundo de toadas.
Conhecê-la e tê-la no grupo de amigos, apesar dos anos que nos separam mas que a amizade consegue aproximar pelos gostos, pelas vontades e pela poesia, é uma honra, um privilégio mas também uma responsabilidade.
Para terminar esta intervenção, as últimas palavras são de admiração e reconhecimento pelo trabalho, pela obra, mas principalmente pela pérola humana que nos encanta a cada verso, a cada poema, a cada gesto. Rosa Dias, desejamos sinceramente que continue "Olhando a Planície" e a transformar "em poemas de amor/os campos do "nosso" Alentejo".

Disse.

Precipício

Sobre ele assentavam preocupações aceleradas, umas atrás de outras. Em cada uma, puxava um cigarro, acendia-o e logo outro tirava do maço, pois o primeiro já terminara. Ao lado, uma chávena de café arrefecia lentamente. Na expressão do seu rosto encovado encostava uma mão fechada e tensa, enquanto uma borra de cigarro caía sobre a mesa. Aquela rotina repetia-a há muitos anos, desde que decidira dar continuidade a um negócio de família.
Todos os dias saía de casa cedo. Deixava a mulher e os filhos ainda a dormir. Quando voltava, pela madrugada, o mesmo cenário de silêncio permanecia pela casa, como se não tivesse havido vida para aquelas pessoas.
Os problemas acumulavam-se à medida que cresciam os papéis no cimo da secretária, e os olhos mortiços de constantes insónias não lhe permitiam o discernimento que a sua actividade exigia.
Já não conseguia falar. Só gritava. O seu pensamento recuava, frequentemente, aos anos da juventude, quando ainda estava a concluir a sua licenciatura numa universidade estrangeira, para onde os seus pais quiseram que ele fosse, prática comum nas famílias da época com mais poder económico. Lembrava-se desses anos e as lágrimas corriam precipitadas na sua face, tal a nostalgia que as memórias lhe causavam. Tinham sido os melhores anos da sua vida, sem a cegueira do dinheiro que há mais de vinte anos o destruíam como ser humano. Não suportava mais aquela situação e tomou de imediato uma decisão.
Tudo aconteceu num dia frio de Outono, em que as folhas das árvores cobriam com a sua cor castanha a estrada. E lá ao fundo, numa ravina, apareceu um corpo desfeito e um papel dobrado dentro do bolso de um casaco que ficara sobre uma rocha. Nele estava escrito: Tal como este papel a vida tem duas partes.





Compasso

Era hábito que àquela hora se juntassem na estação. Estavam todos com um ar cansado. Cada rosto tinha a mesma expressão pesada, pensativa, com um certo fatalismo no olhar, num misto de vazio e rotina como que circunscrito por um compasso direccionado por alguém. Deveriam ser as únicas semelhanças. Tudo o resto seria muito diferente.
Quando o comboio chegou, uns sentaram-se de imediato nos bancos disponíveis, outros ficaram de pé balanceando os corpos ao ritmo do movimento da carruagem. Alguns passageiros também se encostaram às portas para descansar um pouco, se é que isso era possível. Não se escutava uma única palavra. Tudo estava emudecido. Apenas o som das máquinas se ouvia.
Como que num ápice, chegámos à estação onde nos apeámos. Fiquei com a sensação que voltava as costas a um pesadelo visual, e enquanto descia as escadas o comboio partiu. Simultaneamente, o compasso descrevia um círculo até ao ponto da inércia.
E amanhã a vida daquela gente partiria e acabaria no mesmo ponto.

O mendigo

Era ainda noite, quando cheguei ao Terreiro do Paço. Estava muito frio. Não havia carros a circular na estrada. Passei para o outro lado do passeio sem ameaça de ruído automóvel. Lisboa, estava só e cansada, vestida de negro. Um homem cruzou-se comigo, dizendo palavras embriagadas entre dentes, que nem percebi. Olhei para o meu lado direito e vi um mendigo envolvido em folhas de jornal. Cheguei ao pé dele e parei que nem uma estátua. Tinha vontade de o ajudar, de o ouvir e, ao mesmo tempo, estava receoso. De repente, o seu braço deslocou-se para puxar uma folha de jornal que teimosamente o queria destapar. Entretanto amanheceu. Os seus olhos abriram-se lentamente e o pobre homem, afastou as folhas de jornal, levantou-se e caminhou comigo. Sem lhe fazer nenhuma pergunta, murmurou, Chamo-me Mário, tive o mundo a meus pés. Fiquei interrogado. Olhei para ele fixamente, tentando adivinhar naquele rosto um ídolo, uma figura do passado. Em passos lentos e cabisbaixo, disse-me, Você se calhar até me conhece, com os meus golos consegui levantar estádios e encher muitas folhas de jornal como estas. Aquele homem de rosto sofrido estava ferido de sentimentos. Por momentos, não consegui abrir a boca. E eu que quando jogava à bola na rua com os meus amigos tentava sempre imitá-lo. Comprava todas as revistas em que ele vinha. Recortava todas as fotografias dos jornais, quando a objectiva conseguia captar os seus pontapés acrobáticos. Entrámos num café. Um empregado dirigiu-se a nós, perguntou o que queríamos e afastou-se suavemente com ar desconfiado. Se não fosse a minha presença, aquele homem de calças rasgadas, camisa esburacada e cabelo esgadelhado, seria vexado naquele local. Como adivinhando o meu pensamento, Mário, olhou para mim e amargurado exclamou, António, a vida às vezes é irónica, muitas vezes, já fui humilhado aqui e noutros locais, quando afinal dei tantas alegrias a estes homens que hoje praticam esse gesto contra mim. Mais uma vez, fiquei calado. Nem sequer arrisquei uma palavra. Aquele desabafo, fez-me reflectir. Notava-se em Mário que era um homem de bom coração, mas que a vida atraiçoou e da qual provinha o saber das suas palavras. As suas origens eram humildes. Nascera no interior do país, no seio de uma família de trabalhadores rurais. Ele estava destinado hereditariamente à terra. Mas o seu jeito para o futebol começou a notar-se na escola primária, quando fugia das aulas, em direcção ao largo da aldeia com uma bola de trapos debaixo do braço. Os anos passaram. O largo e o clube da terra começaram a tornar-se pequenos para a sua dimensão. Veio então para um clube grande da capital. Repetia a sua história incansavelmente, e os seus olhos continuavam a brilhar como nas tardes de Domingo com os estádios cheios a gritar golo.



Urbano Tavares Rodrigues: entre a utopia e a palavra


A primeira luz do dia vista por Urbano Tavares Rodrigues, fora do interior materno, veio ao seu encontro no dia 6 de Dezembro de 1923. A explicação do seu nascimento em Lisboa encontra justificação no facto de ser comum à época nas famílias abastadas do Sul deslocarem-se à capital portuguesa para que a nascença dos seus descendentes pudesse acontecer dentro dos conhecimentos médicos especializados, cuidados que não podiam usufruir na região onde residiam.
Todavia, é no Alentejo que Urbano Tavares Rodrigues passa a sua infância e a adolescência, sendo o "monte" perto de Moura o tal paraíso e fonte da primeira escrita. É precisamente nesse momento que começa a amar a palavra e escreve para se encontrar consigo e com os outros.
Escritor, investigador e crítico literário, licenciou-se em Letras pela Universidade de Lisboa. Foi professor em diversas universidades estrangeiras, depois de ter sido obrigado a abandonar a docência universitária em Portugal por motivos políticos. O seu regresso aconteceu apenas após a "Revolução dos Cravos", tendo obtido o doutoramento na área de Letras com a tese M. Teixeira-Gomes: o Discurso do Desejo, quando decorria o ano de 1984.
A ficção de Urbano Tavares Rodrigues, denotando influências do existencialismo francês da década de 50, tem como características temáticas principais uma consciencialização do indivíduo em vários níveis, desde o nível do corpo e da morte, até à identidade social e política.
Numa introspecção da sua obra, Urbano regressa à infância para explicar as origens do seu nascimento para a escrita: "Por uma lado, recebi a oralidade e a magia das conversas dos camponeses, por outro lado, tive uma relação muito próxima com a natureza, com o rio onde aprendi a nadar, com os cavalos (...) tudo, a lua, as estrelas, as árvores, os animais eram-me muito familiares. (...) ao longo dos livros (...) quando volto ao Alentejo, creio que é quando eu encontro uma certa qualidade lírica e mágica da linguagem".
Urbano diz que começou a escrever "por inquietação, inquietação que tinha tanto a ver com a literatura como com a metafísica e com o social", assumindo, desde logo, uma imensa paixão pela liberdade, numa constante busca de reprodução do mundo, ao encontro do conhecimento do homem em "situação".
Durante o seu percurso literário Urbano quebrou tabus com os livros. A este respeito diz Manuel Alegre: "O amor e o erotismo, a par do Alentejo, do ideal revolucionário, da resistência e do comprometimento social e político, são um legado fundamental para compreender Portugal antes e depois do 25 de Abril". E mais adiante conclui: "A generosidade e a dedicação à escrita e ao ensino são uma dívida de todos nós".
A propósito de uma homenagem ao escritor promovida pela Câmara Municipal de Évora, Eduardo Lourenço afirma que "o que me impressionou e seduziu foi o teu entusiasmo de jovem mosqueteiro, audaz, desenvolto."
No entender de Manuel de Gusmão, na obra de Urbano Tavares Rodrigues, podemos encontrar "uma espécie de dois limites, polaridades ou atitudes extremas. Uma é a capacidade de afirmação, a certeza ético-política de um compromisso que vibra, por exemplo circunstancial, em Desta Água Beberei (1979). Outra é a abertura à incerteza actual, que é pessoal, mas também alegoricamente colectiva, como em A Hora da Incerteza (1995)".
Ao longo dos seus cinquenta anos de vida literária, a sua obra tem estado exposta à crítica que analisa o seu percurso, como podemos constatar nas palavras de Augusto Abelaira (1958), como a de "um artista que sem se trair decidiu que a sua obra seguisse por novos caminhos e que deu a muitos escritores uma lição de como é possível conciliar arte e amor pelos homens".
Já David Mourão-Ferreira (1966) sublinha: "(...) ninguém melhor que ele tem sabido, com exemplar continuidade, conservar-se vigilante à pressão interior de um riquíssimo universo romanesco e exprimi-lo, paralelamente, com tão inquieta variedade de perspectivas, com tão fecunda mobilidade de processos, com tão radical autenticidade na constante renovação de motivos e de técnicas".
Na opinião de Sottomayor Cardia (1973), "é talvez por se alimentar de uma bataria revolucionária própria, e por isso subjectiva, emocional, que um escritor como Urbano Tavares Rodrigues, que legitimamente adoptou como seu o termo ‘escreviver’, pode nesta terra de singularidades dar o exemplo vivo do que é a coragem e a determinação na luta (...) e a permanente generosidade de todas as horas".
Para Álvaro Salema (1982), "Urbano Tavares Rodrigues é uma das inteligências mais energicamente e ricamente criativas das últimas gerações literárias portuguesas".
Em Urbano, apercebemo-nos, pela sua escrita ou mesmo em conversas, que há um olhar fraterno em relação às pessoas e ao mundo, e que o Alentejo é parte expressiva desse mesmo olhar. Parece que o tempo corre mais devagar, sem as pressas citadinas quotidianas, numa paisagem descrita com nostalgia, onde a infância e a adolescência estão presentes, em perfeita demonstração pela paixão que se encontra ao sul do Tejo, especialmente na margem esquerda do Guadiana, assumindo deste modo a expressão máxima do desejo.
Talvez Urbano Tavares Rodrigues seja, como diz Manuel Alegre, "um alentejano na cidade e um citadino no Alentejo" , mas sem dúvida alguma a sua escrita está indissociável daquela região. As suas raízes levam-no a percorrer a história, a cultura, a gente do povo e o seu património natural, revendo-se os mesmos na sua obra, atingindo por essa via uma dimensão universalista.
Sendo um dos mais prestigiados escritores da segunda metade do século XX em Portugal, a obra de Urbano Tavares Rodrigues atinge, entre conto, romance, crónica e ensaio, uma dimensão vastíssima, aos quais foram atribuídos diversos prémios literários, tendo granjeado com naturalidade a tradução em várias línguas.
A expressão máxima desse reconhecimento foi a distinção obtida através do Prémio "Vida Literária" atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores, distinguindo Urbano Tavares Rodrigues "por uma vida inteiramente doada à literatura, com particular relevo nos domínios da ficção e do ensaísmo, relevando, a este propósito, a extrema lucidez e generosidade com que, em mais de meio século, sempre leu os autores de sucessivas gerações".
Segundo Fernando Dacosta, "na literatura, nos sentimentos, na ideologia, na intervenção, na vida, Urbano Tavares Rodrigues não se preocupou nunca, na verdade, com questões de medida ou prudência, de haveres ou cálculos. Tornou-se, pelo contrário, no contrário disso – em todos os campos que foi percorrendo, oferecendo". E prossegue: "A vida e a obra de Urbano Tavares Rodrigues constituem uma das referências mais intensas do século XX (transitada para o XXI) devido à sua postura marcada por uma generosidade e uma solidariedade raríssimas entre nós".
Talvez seja essa posição tomada por Urbano que o leve a reconhecer que "estive sempre ao lado dos que levam pancada. E estarei até ao fim da vida, do lado dos fracos contra os fortes".
Em relação a este modo de estar de Urbano Tavares Rodrigues escreve Fernando Dacosta: "Na vanguarda da oposição à ditadura, à censura, à clausura, à usura do salazarismo, serviu-se, como ninguém, da escrita, da palavra, da coragem para defender as suas utopias, possuindo um domínio criativo e imaginativo sem paralelo. Ele não escreve (é dos raros a fazê-lo) com imagens mas com palavras, recuperando-lhes, restituindo-lhes a ressonante grandiosidade que elas têm na nossa cultura. É dos poucos que sabe que a escrita representa a última trincheira da liberdade porque não é, como a imagem, manipulada pelos poderes instituídos – daí a subalternidade a que foi votada".
Urbano Tavares Rodrigues acreditou profundamente no grande sonho da fraternidade que levara (e talvez um dia leve) à construção do socialismo como que num sentido de existência.
Nos seus bolsos andaram (e andam) sempre "sementes de liberdade" e pelos campos das palavras soube semeá-las num mundo que necessita de vozes inquietantes que nos despertem.
Estamos, pois, perante um homem possuidor de uma arte extraordinária de contar histórias, onde se afirmam por excelência as dimensões social e política, contextualizadas por uma filosofia humanista presente na obra e no seu modo de estar perante a vida feita de convicções, camaradagem, afectividade e bondade.
Sendo um dos escritores responsáveis pela evolução da ficção portuguesa, Mário Cláudio define Urbano Tavares Rodrigues como uma "dominante bandeira do que se chama grandeza".
Urbano Tavares Rodrigues escreveu recentemente: "devo estar perto do litoral em que de vez o sol se apaga e por isso recebo serenamente o que cada nova manhã me possa oferecer de beleza, de imprevisto e de ternura. Porque, apesar da iminência de uma guerra estúpida e atroz e dos grotescos Bushes que na terra vão surgindo, flagelos da Humanidade, a vida é maravilhosa".
E mais maravilhosa é quando temos entre nós uma personalidade com o talento, o carácter e a consciência de Urbano Tavares Rodrigues.


Biblio e Webgrafia:

Santos, José da Cruz (Coord., 2003). Urbano Tavares Rodrigues - 50 Anos de Vida Literária. Porto, Edições Asa.

http://www.instituto-camoes.pt/arquivos/literatura/voomeioseculo.htm

http://www.instituto-camoes.pt/arquivos/literatura/2prem_ape2002.htm

http://www.instituto-camoes.pt/arquivos/literatura/urbanopremape1.htm


Foto: www.iplb.pt

Canto e Glória

À Selecção Nacional

Nas tuas quinas sonho e festa
estão escritas poesias em chama e canto.
Pelos campos batalhas nossa esperança
num pulsar de alma, paixão e fado.
E com a voz desenhas a glória
sobre o sublime olhar do céu.